La Sonnambula: Fantasias para piano
O ÁLBUM
Como um dos resultados dos estudos do Profº Thiago Plaça Teixeira sobre paráfrases operísticas para piano do século XIX, o Instituto de Música CLARITASPULCHRI apresenta o álbum “La Sonnambula: Fantasias para piano”. Está disponível em serviços de streaming de música, tais como Spotify, Apple Music, Amazon Music, Tidal, Napster e YouTube Music. Pode também ser acessado aqui.
Trata-se do registro fonográfico, com o próprio Profº Thiago Plaça Teixeira ao piano, de Fantasias compostas por três diferentes compositores-pianistas do século XIX a partir de temas musicais da Ópera “La Sonnambula” de Vincenzo Bellini (1801-1835):
01. WIENIAWSKI, Józef (1837-1912):
Fantaisie et Variations de Concert pour piano sur des motifs de la “Sonnambula” de Bellini, Op. 6 (16:27)
ISRC: BRGPA2100028
02. THALBERG, Sigismond (1812-1871):
Grande Caprice sur des motifs de l’opéra “La Sonnambula”, Op. 46 (15:58)
ISRC: BRGPA2100029
03. LISZT, Franz (1811-1886):
Fantaisie sur des motifs favoris de l’opéra “La Sonnambula”, S. 393 (15:02)
ISRC: BRGPA2100030
AS PARÁFRASES PIANÍSTICAS
Durante o século XIX difundiu-se no meio musical europeu a publicação de transcrições operísticas, contribuindo à disseminação de trechos de óperas tanto em espaços privados como públicos. Grandes pianistas-compositores do período, tais como Franz Liszt (1811-1886) e Sigismond Thalberg (1812-1871), que chegaram a competir entre si pela fama de principal pianista da época, também se dedicaram amplamente à escrita e à execução de peças musicais compostas como paráfrases ou como transcrições de óperas famosas, especialmente as italianas. No século XIX esse tipo de obra pianística cumpria um duplo papel, pois servia tanto como uma espécie de “gravação”, permitindo ao público ouvir constantemente as conhecidas melodias executadas nos teatros, como também se direcionava à exibição individual dos pianistas, fato que conecta tal repertório diretamente ao desenvolvimento técnico do piano. A partir do século XX, com o surgimento do mercado fonográfico e com o crescimento insistente da chamada execução “autêntica”, as fantasias e arranjos em geral caíram em desuso, passando a ser considerados como uma classe de música inferior, levando a que se ignorasse um grande tesouro musical.
A ÓPERA “LA SONNAMBULA”
Uma das óperas que emprestou bastante material musical para obras pianísticas foi “La Sonnambula” de Vincenzo Bellini, estreada no Teatro Carcano (Milão/Itália), a 6 de maço de 1831, tendo nos papéis principais a grande soprano Giuditta Pasta (1797-1865) e o grande tenor Giovanni Battista Rubini (1794-1854). A ação dessa ópera se passa em uma vila suíça no início do século XIX. Amina (Soprano), filha adotiva de Teresa (Mezzo-Soprano) – dona do moinho da vila – comemora seu noivado com Elvino (Tenor), um jovem e rico fazendeiro. Durante os festejos, chega um misterioso estrangeiro, que é, na verdade, o Conde Rodolfo (Baixo), retornando à vila de sua infância depois de muitos anos. O Conde hospeda-se naquela noite na hospedaria da vila, cuja proprietária é Lisa (Soprano), apaixonada por Elvino. Ninguém sabe, mas Amina é sonâmbula e justamente naquela noite perambula pela vila chegando até o quarto em que o Conde está hospedado. Vendo a moça em sonambulismo, o Conde discretamente se retira, mas a presença dela no quarto é descoberta por Lisa e revelada a Elvino. Amina desperta, não consegue explicar sua presença no quarto do Conde e Elvino rompe o noivado com ela. O Conde posteriormente procura explicar o que ocorreu, mas os habitantes da vila ignoram o que é sonambulismo e não acreditam nele. Amina surge, então, novamente perambulando sonâmbula sobre um velha ponte do moinho e a verdade se torna evidente a todos. Amina desperta, reconcilia-se com Elvino e a Ópera termina com nova festa no vilarejo.
FANTASIA DE WIENIAWSKI
Józef Wieniawski (1837-1912), irmão do célebre violinista Henryk Wieniawski (1835-1890), foi um grande pianista e compositor, nascido em Lublin (Polônia). Estudou em Paris, em Weimar com Liszt e em Berlim com A. Marx. Apresentou-se em turnês pela Europa com seu irmão e dedicou-se posteriormente ao ensino musical e à composição, escrevendo várias obras para piano. Data de 1854 sua Fantasia e Variações sobre temas de “La Sonnambula”. Trata-se de uma obra dividida em quatro seções, ainda que executadas de modo ininterrupto:
- Introdução, molto capriccioso.
- Tema. Allegro moderato – Variação 1 – Variação 2
- Adagio – Allegro
- Finale. Allegro risoluto – Presto
Wieniawski utiliza nas partes 1 e 2 o tema da cabaleta “Sovra il sen la man mi posa”, da personagem Amina no Ato 1 de “La Sonnambula”. A parte 1 da Fantasia é uma seção introdutória em que a frase inicial do referido tema de Bellini é apresentado de modo livre, intercalando-se sempre elementos de brilhantismo/virtuosismo (cadências, escalas, arpejos etc.). Na parte 2, o mesmo tema de Bellini é praticamente transcrito integralmente e seguido por duas variações sobre ele. No número musical original da Ópera, Amina manifesta à sua mãe e aos seus amigos da vila a grande alegria que seu coração sente pelo seu noivado com Elvino:
Na parte 3, Wieniawski apresenta um outro tema da Ópera e também o desenvolve sob a forma de variação. Trata-se agora de um famoso conjunto vocal que é cantado próximo ao final do Ato 1. É o quinteto “D’un pensiero e d’un accento”. Na trama da Ópera, é o momento em que Amina desperta do estado de sonambulismo no quarto do Conde na hospedaria, sendo acusada de traição por Elvino e pelos demais aldeões. Esse número musical tornou-se muito famoso e é empregado também por Liszt e por Thalberg em suas respectivas paráfrases sobre “La Sonnambula”:
A parte 4 é quase inteiramente original de Wieniawski, sendo apenas iniciada por um tema de Bellini: a primeira frase de “Ah! perchè non posso odiarti”, trecho cantado por Elvino no Ato 2. O restante é um Presto de grande brilhantismo.
FANTASIA DE THALBERG
Sigismond Thalberg (1812-1871) nasceu em Pâquis, próximo a Genebra (Suiça). Inicialmente destinado à carreira diplomática, tornou-se, contudo, um célebre virtuose do piano, tradicionalmente considerado como o rival de Liszt na fama de maior pianista do século XIX. Foi aclamado em toda Europa, assim como também no Brasil e nos Estados Unidos. Entre suas diversas composições para piano, encontra-se uma Fantasia de Thalberg também sobre a Ópera “La Sonnambula”. Foi publicada em 1842 e apresenta uma estrutura tipicamente encontrada em obras suas desse gênero: uma Introdução de caráter livre, temas da própria Ópera seguidos por variações dos mesmos e uma seção conclusiva livre.
- Introdução: Thalberg emprega nessa seção livre introdutória o tema “Oh come lieto è il popolo” do Ato 1 de “La Sonnambula”. Na Ópera original de Bellini esse é o momento em que o Conde Rodolfo já está recolhido a seus aposentos na hospedaria de Lisa, onde passará a noite. Ele ouve um barulho na janela e quem aparece em seu quarto é a jovem Amina, sonâmbula. Ela caminha falando de seu amor por Elvino e ansiosa pelo seu casamento com ele.
- Tema 01: é possivelmente a ária mais famosa de toda a Ópera – e entre as mais admiradas da Bellini – , cantada pela personagem Amina na última cena do Ato 2, “Ah! non credea mirarti”. Na Ópera original é o momento em que Amina, novamente sonâmbula, lamenta o fim de seu noivado com Elvino, canta ainda seu amor por ele e chora sobre uma flor, dizendo: “Ah, não acreditei que tão cedo secas as veria, ó flores: murchastes como o amor, que somente um dia durou.” Os compassos iniciais dessa ária estão inscritos no túmulo de Bellini, na Catedral da Catânia (Itália). Thalberg a apresenta de modo quase literal e, em seguida, desenvolve duas variações sobre ela.
- Tema 02: é o quinteto do final do Ato 1, “D’un pensiero e d’un accento”, que, conforme já visto, foi também empregado por J. Wieniawski.
- Final: seção de caráter livre, com elementos virtuosísticos, original de Thalberg.
FANTASIA DE LISZT
Franz Liszt (1811-1886) nasceu em Raiding, então parte do Reino da Hungria. Tornou-se famoso em toda Europa por suas grandes habilidades como pianista virtuoso, sendo aclamado como o maior pianista de todos os tempos. Dedicou-se bastante à composição e foi também bastante influente em sua época como professor e maestro.
Entre suas obras de concerto está também uma fantasia sobre temas de “La Sonnambula”. Trata-se de uma obra composta em 1839, e editada três vezes durante a vida de Liszt, em 1842, 1853 e 1874. Essa fantasia foi escrita no período da vida de Liszt conhecido como Glanzperiode, entre os anos 1839 a 1847, tempo em que ele se dedicou à carreira de virtuose ao piano. Mais especificamente entre 1840 e 1842 ele compôs suas mais importantes fantasias sobre temas de óperas, incluindo-as frequentemente em seus recitais.
Os cinco temas empregados por Liszt em sua fantasia sobre “La Sonnambula” são:
- Coro “Osservate l’uscio è aperto”, Ato 1. Momento em que os habitantes do vilarejo aproximam-se da hospedaria de Lisa para prestarem uma homenagem ao Conde Rodolfo, que ali está passando a noite.
- Ária de Elvino, “Tutto è sciolto …”, Ato 2. Momento em que Elvino expressa sua tristeza pelo fim do noivado com Amina, em razão da suposta infidelidade dela.
- Cabaleta de Elvino, “Ah! Perchè non posso odiarti”, Ato 2. Momento em que Elvino diz que não consegue esquecer Amina.
- Cabaleta de Amina, “Ah! non giunge uman pensiero”, Ato 2 (cena final da Ópera). Momento em que Amina e Elvino se reconciliam e que ela expressa sua grande alegria.
- Melodia principal (“Voglio il cielo che il duol ch’io sento …”) do Quinteto “D’un pensiero e d’un accento”, Ato 1 (cena final). Momento em que Elvino vê Amina despertando no quarto do Conde e rompe o noivado com ela. Trecho também presente, como já visto, nas fantasias de Wieniawski e de Thalberg.
A paráfrase de Liszt sobre “La Sonnambula” centra-se sobre os dois personagens principais, Amina e Elvino, e sobre o drama central: a suspeita de infidelidade e, por fim, o reconhecimento da inocência de Amina.
A primeira parte da Fantasia é inteiramente baseada no Coro “Osservate l’uscio è aperto … Dell’ossequio del villaggio …” e indica, em termos narrativos, o conflito central, a saber, o momento em que a inocente Amina é encontrada dormindo no quarto do Conde na hospedaria de Lisa, tornando-se alvo de suspeita de infidelidade. A segunda parte é baseada nas melodias lamentosas de Elvino (“Tutto è sciolto …”), inconformado com a suposta infidelidade da noiva, mas ainda a amando. A terceira parte, enfim, combina duas melodias distintas, uma de Amina (“Ah! non giunge …”) e outra de Elvino (“Ah! Perchè non posso odiarti …”), representando musicalmente a tensão emocional central do enredo, a luta de Amina para provar sua inocência e para se reconciliar com o amado. Tal combinação se dá, inclusive, pela sobreposição simultânea das duas melodias.
A reconciliação dos personagens é representada na Coda final, na qual Liszt emprega a linha vocal de Elvino no Quinteto final do Ato 1, denotando de certa forma que o final jubiloso se dá quando Elvino percebe a inocência da Amina. É um procedimento compositivo que também aponta para a intenção de Liszt em encerrar a obra com um tema de maior bravura.
Tal atenção dada à narratividade original das óperas dentro da estruturação das paráfrases pianísticas será encontrada também em outras importantes obras de Liszt. É ele, com efeito, o grande mestre desse tipo de música.
Apresentamos, assim, ao público em geral um registro desse antigo repertório para piano, hoje muitas vezes esquecido, o qual certamente recebeu muitos aplausos no passado, levando ao salões de concerto algumas das mais belas melodias da famosa Ópera de Bellini. Dizia o grande tenor italiano Beniamino Gigli (1890-1957) que “La Sonnambula” tinha “alguns dos fragmentos musicais mais belos de todas as óperas”.
Para informações mais detalhadas sobre as três fantasias do Álbum, disponibilizamos aqui no próprio site três artigos referentes a cada um delas:
Nos cum prole pia – benedicat Virgo Maria.