Técnica pianística: a posição da mão

Técnica pianística: a posição da mão

Prof. Thiago Plaça Teixeira

1. Introdução

Tratarei neste artigo sobre o ponto possivelmente mais fundamental da técnica pianística: a posição da mão. Parece algo muito simples, mas na verdade a história da pedagogia do piano mostra que nem sempre houve uma preocupação de ordem científica quanto à eficácia de determinadas orientações.

O dorso da mão deve estar alinhado com o antebraço? O pulso pode estar mais elevado do que os dedos? Os dedos devem estar curvos ou planos? Essas são algumas perguntas inerentes à consideração da posição da mão do pianista ao teclado. E para responde-las convém abordá-las sob os viés da própria estrutura física dos dedos e da mão. Trata-se, pois, da seguinte pergunta fundamental: dada uma estrutura física da mão humana, qual seria a posição dela ao piano que resultaria em maior eficiência (melhor resultado de força, velocidade, mobilidade etc. com menor esforço)?

Para responder a isso, utilizarei como fio condutor da argumentação do livro A técnica pianística: uma abordagem científica, de Cláudio Richerme, obra já bem conhecida do público pianístico brasileiro.

2. Escolas pré-científicas

Iniciamos considerando o chamado período pré-científico da técnica pianística, aquele anterior à década de 1880. Como sucessor histórico do cravo, o piano passou a exigir maiores recursos técnicos de execução (maior variedade sonora permitida pelo instrumento e grande desenvolvimento do repertório) e no século XIX surgem  grandes pianistas (ex: Clementi, Beethoven, Czerny e, posteriormente, Liszt, Chopin e Thalberg), além de vários métodos de estudo do piano. Nessa época havia algumas orientações dirigidas ao estudante de piano no que concerne à posição da mão. Podemos sintetizá-la da seguinte forma: deveria haver uma linha reta e horizontal do cotovelo até o início dos dedos.As teclas deveriam ser tocadas sem mexer a mão nem o braço e procurava-se também sustentar os dedos no alto antes de cada ataque em forte.[1] (ver Figura 1) Sabemos, porém, que grandes pianistas desenvolviam instintivamente em sentido diverso a técnica, ainda que não tenham sido acompanhados pelos teóricos da época. Liszt, por exemplo, demonstrava grande flexibilidade da mão ao piano:  “Seus dedos não têm posição nem forma definida; flexibilizam-se, macios e maleáveis, em todas as direções”.[2]

Fig. 1 – RICHERME, 2019, p.20.

3. Escolas modernas

A partir do final do século XIX surgem as chamadas escolas modernas do piano. Trata-se de um momento em que se procura dar uma abordagem analítica e científica aos problemas da técnica pianística, passando-se a se enfatizar, então, novos aspectos, entre eles o da posição arredondada da mão e o do uso do peso e de movimentos do braço. Essa nova fase inicia-se com dois nomes importantes, Ludwig Deppe (1828-1890), regente que baseou seu método na observação de grandes pianistas, e Theodor Leschtizky (1830-1915), pianista de carreira. A partir de então muitas publicações, inclusive de médicos (ex: T. Matthay e R. M. Breithaupt), procuram dar uma solução pretensamente científica à técnica do piano. Nas décadas de 1920-30, consideradas o apogeu do desenvolvimento da técnica pianística teórica, há três pesquisadores importantes – O. R. Ortmann (1889-1979), E. Tetzel (1870-1936) e A. Schultz (1903-1972), que chegaram a várias conclusões importantes, mescladas, porém, com alguns erros científicos só esclarecidos algumas décadas mais tarde. Os teóricos posteriores de certa forma farão eco a esses três cientistas.[3]

4. Posição básica da mão

A partir dos diferentes estudos já realizados, parece que a posição da mão mais eficiente e com maiores vantagens fisiológicas seria aquela aqui denominada posição básica: pulso em extensão, dedos em flexão, polegar com seu eixo horizontal.

A partir da 1ª articulação (metacarpo-falângea) dos dedos 2º ao 5º em ligeira flexão, dois músculos interósseos, ao invés de um lumbrical, atuam para fletir a 1ª articulação de cada dedo. E com o pulso em extensão, os flexores longos das 2ª e 3ª falanges de cada dedo atuam com quatro vezes mais força que com o pulso em flexão.[4]

Essa posição básica possui duas variantes, a curva (Figura 2a) e a plana (Figura 2b).

Figura 2 – RICHERME, 2019, p.129.

Na execução pianística propriamente dita torna-se necessária uma alternância entre a posição curva e a plana, o que está em função de circunstâncias individuais, tais como a abertura a ser atingida no teclado. Mas quanto mais plana estiver a posição da mão, menor se torna o ângulo de extensão do pulso. A medida ideal desse ângulo para a atuação dos flexores longos dos dedos, segundo a indicação de fisiologistas, seria de 40-45 graus.

Ao se segurar um objeto volumoso com a ponta dos dedos, pode-se verificar facilmente as diferenças de eficiência entre a posição da mão com o pulso em flexão (Figura 3a – mal se consegue segurar o objeto), a posição da mão com o pulso em um ângulo apropriado de extensão (Figura 3b – ideal) e a posição da mão com o pulso em um ângulo grande extensão (Figura 3c – dificuldade para segurar o objeto, músculos perdendo parte da força).[5]

Figura 3 – RICHERME, 2019, p.130.

5. Correção da inclinação

Há uma tendência de se deixar a mão inclinada no sentido do 5º dedo quando ela é posicionada sobre o teclado. (Figura 4) Tal inclinação acaba prejudicando ainda mais o desempenho do 5º, que já é o de mais difícil coordenação. Torna-se necessário, então, corrigir essa inclinação pela pronação do antebraço (rotação no sentido do polegar), eventualmente ampliada por leve abdução do úmero (movimento para o lado, afastamento do cotovelo em relação ao tronco). (Figura 5) Essa correção da inclinação da mão era aconselhada por Liszt e, de fato, leva a uma melhor posição de ataque do 4ºe também do 3ºdedos. É preferível, se assim se pode dizer, uma posição mais inclinada lateralmente do 2º dedo, pois é mais forte e de mais fácil coordenação, do que uma inclinação que prejudique o 4º e o 5º dedos.[6]

Figura 4 – RICHERME, 2019, p.135.
Figura 5 – RICHERME, 2019, p.135.

6. Posição do polegar

A altura do pulso é o que determina o ângulo de ataque do polegar, de modo que um pulso alto tem como efeito que a força do polegar se dirija à tecla de modo oblíquo. Por outro lado, na posição básica aqui considerada, com a mão arcada e o pulso baixo, o polegar consegue atuar de modo vertical, o que é muito melhor em termos de controle sonoro. Mesmo para os movimentos de passagem do polegar, para os quais se pensava ser necessário o pulso alto, também a posição básica permite tanto o espaço necessário para a passagem, como também para o movimento de abdução do polegar (movimento para baixo) sob os demais dedos. Sob o viés da eficiência no uso do polegar, pode-se dizer que a posição ideal do pulso é aquela em que, com a tecla abaixada, o eixo longitudinal do polegar fica em posição perfeitamente horizontal.[7]

7. Posição dos demais dedos

Quanto mais alto estiver o pulso e quanto mais as três falanges se aproximarem do alinhamento vertical (em uma hipotética posição), a velocidade da ponta do dedo ao pressionar a tecla chega próxima a zero. Por outro lado, quando se utiliza a posição básica da mão na sua variante curva, a um determinado movimento da 1ª falange corresponde um movimento vertical da ponta do dedo. Além disso, quando o pulso está mais baixo é maior a tendência de aceleração da ponta do dedo durante o processo de descida da tecla, o que é favorável em termos de qualidade sonora.

Um pulso muito baixo pode, entretanto, atrapalhar a mobilidade da mão e causar uma flexão excessiva da 1ª articulação dos dedos 2º ao 5ª, prejudicando também o ataque do polegar. Daí que parece ser a posição ideal para todos os dedos aquela já mencionada com relação ao polegar: eixo horizontal do polegar ao se segurar uma tecla abaixada.[8]

8. Mobilidade

A chamada posição básica da mão apresenta ainda outras vantagens. Em primeiro lugar, com relação ao 5º dedo. Com o pulso alto, o 5º dedo, sendo o mais curto, tende a se desencostar do teclado, ou seja, torna-se necessário estica-lo para atingir a tecla, o que prejudica ainda mais a coordenação desse dedo. Na posição básica, por sua vez todos os dedos adquirem relação equivalente com a tecla.

Em segundo lugar, a posição básica favorece também a mobilidade dos dedos, no sentido de ser mais propícia para que se alterne, conforme a necessidade, a posição curva com a posição plana. De fato, quando a posição básica curva é montada sobre as teclas brancas, por exemplo, basta que se estenda um pouco o 2º, o 3º e o 4º dedo para que eles se coloquem sobre as teclas pretas.

Em terceiro lugar, enfim, a posição básica também permite melhor desempenho do movimento passivo do pulso (antebraço movimentando o pulso para cima e para baixo) e também outras variantes de execução pianística, como o staccato e as oitavas.[9]

9. Minha experiência

Algumas linhas pedagógicas no ensino do piano tomam uma determinada posição da mão como um de seus pilares. Na minha formação, entretanto, não houve uma orientação rígida no sentido de se fixar uma posição de mão ideal. Minhas professoras, assim como muitos outros, prezavam por orientações de caráter mais genérico e soluções particulares para desafios técnicos que fossem surgindo durante o trabalho do repertório.

Tendo percorrido já vários anos de estudo e de trabalho profissional como pianista, recomendo, contudo, que se tome a posição da mão como, de fato, um dos pontos fundamentais a serem bem ensinados aos alunos. Com o tempo, eu me vi na obrigação de aperfeiçoar alguns pontos da técnica pianística em mim mesmo e os benefícios da posição básica, sobretudo no que concerne à articulação curva-plana, pareceram-se bastante evidentes.

Referências

RICHERME, Cláudio. A técnica pianística: uma abordagem científica. São João da Boa Vista: Musimed, 2019.

WATSON, Derek. Liszt. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1994.

+LAUS DEO VIRGINIQUE MATRI+


[1] RICHERME, 2019, p. 17-18.

[2]  Cf. WATSON, 1994, p. 149.

[3] RICHERME, 2019, p. 20-28.

[4] RICHERME, 2019, p. 129.

[5] RICHERME, 2019, p. 129-131.

[6] RICHERME, 2019, p. 134-135.

[7] RICHERME, 2019, p. 136-137.

[8] RICHERME, 2019, p. 139-140.

[9] RICHERME, 2019, p. 141-143.

Prof. Thiago Plaça Teixeira

O Professor Thiago Plaça Teixeira é Graduado em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal do Paraná, Bacharel em Piano pela Escola de Música e Belas Artes do Paraná, Mestre e Doutor em Música pela Universidade Federal do Paraná. Foi premiado em concursos de piano e atuou com diversos instrumentistas, cantores e grupos corais em concertos, óperas, festivais e séries de música de câmara. Trabalhou em instituições de ensino superior no Paraná ministrando disciplinas teóricas e práticas. Como pesquisador, direciona seus estudos à música sacra católica, área em que também tem experiência prática atuando como organista.

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