A linguagem musical: 1-3-5 em Modo Maior

A linguagem musical: 1-3-5 em Modo Maior

Prof. Thiago Plaça Teixeira

1. Introdução

Um dos principais temas que, desde a Antiguidade, costuma chamar a atenção daqueles que se propõem a estudar a Música é a sua íntima conexão com as emoções humanas. De todas as Artes, parece ser a arte dos sons a que melhor consegue representar as diferentes paixões e, por consequência, também causá-las de certa forma em nós. Encontramos considerações acerca desse fato desde Platão e Aristóteles até a Psicologia experimental atual, passando também pelos Doutores cristãos, tais como Santo Agostinho e Santo Tomás de Aquino.

Uma das discussões em torno desse assunto está na consideração de quais padrões musicais afetam naturalmente o homem e quais são aqueles de ordem cultural. Ou seja, discute-se se tal ritmo, tal acorde, tal escala etc. representaria ou expressaria “alegria”, por exemplo, a qualquer ser humano ou apenas àquelas pessoas já familiarizadas com determinado estilo musical.

Um dos autores que se propõem a dar uma fundamentação ao modo como a música pode funcionar como uma linguagem das emoções humanas é o inglês Derick Cooke (1919-1976). Em seu livro The language of music, ele demonstra como os compositores ocidentais, desde o século XV até o século XX, tendem a escolher os mesmos padrões musicais para expressar os mesmos sentimentos ou as mesmas situações dramáticas.

Neste artigo vou fazer uma breve introdução a esse livro e tratar especificamente do primeiro desses padrões musicais que ele cita.

2. A música e as outras artes

A primeira ideia importante que encontramos em Cooke é a seguinte: apesar de a Música possuir suas próprias leis técnicas, quando ela é considerada como expressão, podemos dizer que ela possui três aspectos estreitamente relacionados a três outras Artes – a Arquitetura, a Pintura e a Literatura.

Em primeiro lugar, há na Música o aspecto puramente arquitetônico, tal como encontrado em muitas obras polifônicas, em que o resultado se mede pela apreciação estética da beleza da pura forma. Trata-se do elemento estrutural inerente à Música, isto é, de como as diferentes seções de uma obra musical se ordenam entre si.

Em segundo lugar, há na Música o aspecto pictórico, encontrado em um número limitado de obras, nos quais algumas passagens procuram representar objetos externos pertencentes ao mundo natural, seja por imitação direta (ex: um cuco ou um instrumento de caça), por imitação aproximada (ex: escalas cromáticas das cordas imitando o vento ou o toque de tímpanos imitando um trovão) ou por sugestão ou simbolismo (ex: representação de objetos puramente visuais por meio de sons cujo efeito auditivo seja similar ao efeito visual provocado pelo objeto visível: luz, nuvens, montanhas etc.).

Em terceiro lugar, finalmente, há na Música o aspecto literário, encontrado na maioria da música ocidental desde o século XV até hoje. Trata-se da música enquanto linguagem de emoções, ou seja, o poder inerente aos sons de suscitarem afetos.

3. A série harmônica

A segunda ideia importante de Cooke é a de que o elemento fundamental da música ocidental é a altura sonora e, principalmente, a tensão tonal originada na relação entre os diferentes sons dentro de uma escala, sendo que esse sistema de tensões se deriva do fenômeno acústico da série harmônica.

E o que é a série harmônica? Em primeiro lugar, precisamos definir som musical. Som é resultante das vibrações de corpos elásticos, sendo que som musical é aquele som resultante de vibrações regulares. Mas um som musical não se constitui de apenas uma nota, pois juntamente com o som principal soam sons secundários, bem fracos e quase imperceptíveis. O som principal é chamado som fundamental; os sons que o acompanham, sons harmônicos (ou ainda concomitantes ou complementares). Uma corda, por exemplo, ao vibrar em toda a sua extensão produz uma determinada nota e enquanto vibra por inteiro, ao mesmo tempo ela vibra também se dividindo em duas metades (produzindo uma oitava acima da nota original), em terços, em quartos etc., produzindo, assim, as chamadas vibrações secundárias. Série harmônica é justamente o conjunto de sons que acompanham um som fundamental, gerador ou principal. Eis aqui um exemplo de série harmônica, tendo a nota Dó como som fundamental:

A série harmônica em si não tem limite, mas reparem que temos sons harmônicos somente até o 16º, pois após este, os intervalos da série são menores do que um semitom.

4. A tríade maior

Pode-se verificar também na imagem acima que se considerarmos os primeiros harmônicos – a nota fundamental (Dó), a sua oitava (Dó), sua quinta (Sol) e sua terça maior (Mi) – temos o que se entende como tríade maior, o acorde de Dó maior: Dó-Mi-Sol. Essa é o que comumente os teóricos definem como sendo a formação harmônica mais natural, isto é, uma expressão da natureza. Daí que tradicionalmente é essa formação harmônica a mais apta a sugerir ou expressar aspectos emocionais positivos, como o prazer e a alegria.

Por outro lado, a tríade menor, Dó-Mi bemol-Sol, seria um rebaixamento dessa satisfatória e natural terça maior. Por isso, é utilizada geralmente como representação de aspectos emocionais negativos, tais como a tristeza. É como se a carência de um bem real (causando uma emoção negativa) encontrasse sua melhor representação acústica na carência da terça maior, na imperfeição representada pela terça menor.

E assim temos a ideia germinal para a compreensão dos recursos que os compositores utilizam para a expressão ou representação de afetos na Música: a dualidade entre os modos maior e menor.

5. Agentes vitalizadores

Mas além desse aspecto harmônico, há ainda outros elementos que possuem o papel de incrementar tal poder expressivo da Música. É o que Cooke chama de agentes vitalizadores. São esses quatro:

  • O volume (intensidade), diretamente proporcional à ênfase dada ao que é expresso. De fato, quando queremos, por exemplo, falar algo com maior vigor, aumentamos a intensidade na voz.
  • O tempo, pela distinção entre binário (regular, masculino) ou ternário (solto, feminino); pelo acento rítmico; e pelo andamento, cuja velocidade é diretamente proporcional à animação afetiva representada. Um tempo binário bem marcado seria uma boa representação sonora do passo de um homem, por exemplo. Por outro lado, um tempo ternário e uma maior velocidade poderiam melhor indicar a delicadeza no andar de uma jovem donzela.
  • A altura, considerada no âmbito dos contornos melódicos. Aqui há uma espécie de analogia entre as linhas melódicas e a lei da gravidade no mundo físico. Exige maior força de vontade subir uma montanha do que deixar-se descer por um escorregador. Assim, a subida melódica em modo maior, por exemplo, simboliza uma forte afirmação de alegria. Uma descida melódica em modo menor, pelo contrário, bem expressa uma plena aceitação da dor.
  • O timbre e densidade sonora: textura densa como expressiva de ênfase emocional, em oposição à textura esparsa, representativa de suavidade. Não temos muita dificuldade em reconhecer maior força em um exército de soldados armados no campo de batalha do que em uma jovem princesa solitária no alto de uma torre. Assim também, a maior densidade sonora é facilmente associada por nós a uma ênfase, a um vigor.

6. Vocabulário musical

Esses quatro agentes vitalizadores podem ser facilmente compreendidos pelo nosso modo de nos expressarmos verbalmente. Quando uma pessoa fala mais rápido, mais intensamente ou em tom mais agudo, temos uma clara impressão de que está animada. Quando se está em um estado de maior tranquilidade, tende-se a falar de modo mais suave, lento e grave. Além disso, há determinadas ações humanas, como correr, subir, descer, parar etc. que também encontram representação na Música.

E assim se chega aos chamados termos básicos do vocabulário musical. Basicamente, são fórmulas melódico-harmônicas que configuram uma espécie de convenção musical com finalidade expressiva. Seu fundamento, em última análise, está na tensão tonal existente entre os graus da escala, na dualidade harmônica Maior-Menor e no manejo dos quatro agentes vitalizadores.

Tendo visto brevemente essa fundamentação teórica, pode-se agora ver como ocorrem na prática essas formulações melódico-harmônicas com finalidade expressiva. Vamos começar com o primeiro padrão exposto por Cooke: a subida melódica, em modo maior, do I grau (tônica) ao V grau (dominante), passando-se pela terça maior, com preenchimento ou não dos graus conjuntos.

7. Subida melódica 1-3-5 em modo maior

Já vimos que ascensão melódica expressa uma emoção extrovertida, uma vontade decidida de se alcançar algo. Tecnicamente falando, a tônica é o ponto de repouso, do qual se parte, em um movimento melódico, e ao qual se retorna. A dominante é a nota intermediária, em direção à qual se vai, e a partir da qual se retorna. A terça maior também já vimos que é a nota da felicidade, da alegria. Assim sendo, percebe-se que subir melodicamente da tônica à dominante por meio da terça maior é expressar uma ativa e assertiva emoção de alegria. Por isso, é frequente que os compositores utilizem de forma persistente esse padrão com tal propósito. Beethoven, por exemplo, utiliza-o no Finale de sua Quinta Sinfonia, claramente expressando triunfo, com indicação de fortíssimo, alegro 4/4, ala marcia, com metais e ampla textura orquestral:

Vamos ver alguns outros exemplos. No Oratório Messiah, Handel utiliza esse padrão melódico-harmônico com seu som naturalmente jubiloso no início de The trumpet shall sound [A trombeta soará]. Em Mozart, encontramos esse mesmo padrão no clímax da ária do personagem Belmonte na Ópera Die Entführung aus dem Serail [O rapto do serralho], quando ele aguarda ansiosamente rever sua amada Constanze, pedindo, então, ao Amor que o conduza a seu objetivo. Na abertura da ária Come scoglio, da Ópera Cosi fan tutte, a orquestra inicia-se com esse mesmo padrão, como que representando o que a personagem Fiordiligi cantará em seguida, dizendo que sua fidelidade ao seu amado é firme como uma rocha. Também em Die Zauberflöte [A flauta mágica], Mozart emprega esse padrão na saudação festiva que o coro faz aos personagens Tamino e Pamina, após eles passarem por suas provas.

Berlioz usa também esse padrão no coro de Páscoa na Ópera La Damnation de Faust, no trecho onde se canta que Cristo ressuscitou e saiu do túmulo. Liszt usa também em obra de contexto religioso, em In Deo salutari meo, no Magnificat da Sinfonia Dante, no trecho justamente em que se aproxima o Paraíso. Na Ópera Orfeo, de Monteverdi, há o coro dos pastores que, alegres, cantam para chamar as ninfas a dançarem com eles, em Lasciate i monti. Novamente no Messiah de Handel, há o início de Ev’ry valley e na Ópera Fidelio, de Beethoven, há o trecho em que a personagem Leonora, diante da maldade do tirano que aprisionou seu esposo, manifesta a esperança de que tudo terminará bem.

Tomás Luis de Victoria inicia o moteto Duo Seraphim com esse padrão melódico também, indicando-se, assim, o caráter jubiloso da música, que tem como tema os serafins adorando a Deus e clamando “Santo, Santo, Santo”. Na Missa Solemnis de Beethoven, o Gloria inicia-se de modo triunfal com várias repetições do padrão 1-2-3-4-5 em Ré maior. Também na Missa em si menor de Bach, o Gloria começa com os trompetes realizando, ainda que de modo mais elaborado, a mesma sequência melódica ascendente. Por fim, há a serenata em que Don Giovanni canta de modo despreocupado e alegre na Ópera Don Giovanni, de Mozart.

8. Conclusão

Aqui vimos, pois, o fundamento teórico para as considerações de Cooke sobre a linguagem das emoções na Música e também vimos o primeiro dos padrões por ele proposto para o vocabulário básico musical. Na sequência pretendo tratar dos demais. São dezesseis, ao todo.

Referências

COOKE, D. The language of music. Oxford: Oxford University Press, 1973.

+LAUS DEO VIRGINIQUE MATRI+

Prof. Thiago Plaça Teixeira

O Professor Thiago Plaça Teixeira é Graduado em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal do Paraná, Bacharel em Piano pela Escola de Música e Belas Artes do Paraná, Mestre e Doutor em Música pela Universidade Federal do Paraná. Foi premiado em concursos de piano e atuou com diversos instrumentistas, cantores e grupos corais em concertos, óperas, festivais e séries de música de câmara. Trabalhou em instituições de ensino superior no Paraná ministrando disciplinas teóricas e práticas. Como pesquisador, direciona seus estudos à música sacra católica, área em que também tem experiência prática atuando como organista.

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