O Oratório Barroco: Alessandro Scarlatti (1660-1725)

O Oratório Barroco: Alessandro Scarlatti (1660-1725)

Em outros artigos já tratamos de assuntos referentes ao desenvolvimento do Oratório católico no período barroco. Vimos já dois importantes compositores da época, Giacomo Carissimi (1605-1674) e Alessandro Stradella (1643-1682), além da produção musical no famoso “Oratorio del Santissimo Crocifisso”, em Roma, e do único oratório italiano composto por Joseph Haydn (1732-1809): “Il ritorno di Tobia”. No presente artigo continuamos o estudo de tal importante gênero musical. Trataremos de Alessandro Scarlatti (1660-1725).

1. O COMPOSITOR

Alessandro Scarlatti nasceu em Palermo (Itália) em 1660, sendo o mais velho de sete irmãos. Foi a Roma ainda criança e lá residiu até 1683. Provavelmente em Roma foi aluno de F. Foggia (1603-1688) e B. Pasquini (1637-1710). Casou-se em 1678 e no ano seguinte apresentou sua primeira ópera, Gli Equivoci nel Sembiante, no teatro do Collegio Clementino, em Roma. Em seguida é nomeado maestro di cappella privado da Rainha Cristina da Suécia em Roma e até 1683 foi também maestro di cappella em San Girolamo della Carità. Em 1683, Scarlatti parte para Nápoles e lá permanece por vinte anos, atuando como maestro di cappella da capela real. Torna-se rapidamente o músico da moda entre a aristocracia napolitana, compondo várias cantatas, e óperas. [1]

Em 1703 ele retorna a Roma e é nesse novo período em que ele se dedicará grandemente aos oratórios e às cantatas de câmara. Era um período em que havia oposição eclesiástica ao teatro, o que limitava as atividades operísticas. Scarlatti aceita, então, os cargos de secondo Maestro da Igreja de Santa Maria Maior e de mestre da música privada do Cardeal Ottoboni. Em 1706-7, Scarlatti visita Veneza, onde tentou se estabelecer, mas entre 1707 e 1717 estará novamente assumindo suas funções em Nápoles. Entre 1717 e 1722 fica a maior parte do tempo em Roma, onde apresenta suas últimas óperas. Retorna a Nápoles, onde morre em 1725, sendo sepultado na Igreja de Montesanto. [2]

Alessandro Scarlatti (1660-1725)

2. OBRA

Alessandro Scarlatti compôs cerca de 115 óperas, quase todas sérias. De aproximadamente 70 delas foi encontrada a partitura completa, ou árias separadas, ou mesmo só o libreto. Escreveu ainda cerca de 30 oratórios; 60 motetos; 10 missas; mais de 600 cantatas de câmara; 21 serenatas ou cantatas de circunstância; 12 Sinfonie di concerto grosso; Sonate a quattro (quarteto de cordas); 2 suítes para flauta e cravo; sonatas para 1, 2, 3 flautas e baixo contínuo; e algumas obras teóricas.

Na fase entre os 25 e os 40 anos de idade, Scarlatti aperfeiçoou vários elementos musicais importantes: (1) a forma da aria da capo (A-B-A), que acabou sendo adotada como tipo único de ária de ópera; (2) a chamada abertura “italiana”; e (3) o gênero da cantata de câmara. Nos últimos 25 anos escreveu suas principais obras-primas em praticamente todos os gêneros. Entre as óperas destacam-se Mitridate Eupatore, Figrane, Cambise, Griselda e Il Trionfo dell’Onore. [3]

3. OS ORATÓRIOS

Os oratórios de Scarlatti foram escritos entre 1683 e 1720 e bem refletem o desenvolvimento de tal gênero musical nesse período. Os textos utilizados como libretos eram baseados principalmente em hagiografia (vidas de Santos) e na Sagrada Escritura (Bíblia).

Scarlatti há muito é considerado o fundador da escola napolitana de ópera, que era essencialmente pré-clássica em seu estilo musical; no entanto, pesquisas de meados do século XX mostraram que ele é em muitos aspectos mais romano do que napolitano e seu estilo mais próximo do barroco tardio do que do período pré-clássico. Mais conhecido por suas cantatas de câmara e óperas, Scarlatti também é extremamente importante por seus oratórios; ele compôs mais de trinta, pelo menos vinte e três dos quais ainda existem. Como compositor de oratórios, ele deve ser considerado uma parte importante da cena romana, pois mais de dois terços de seus oratórios foram compostos para patronos romanos. [4]

Eis alguns exemplos de oratórios compostos por Scarlatti: Passio secundum Ioannem (1680 c.), Ismaele esiliato (1683), Il martirio di Santa Teodosia (1685), Il trionfo della gratia (1693), Ismaele soccorso dall’angelo (1695), Giuditta (1695), Cantata per la notte di Natale (1695), Samson vindicatus (1696), Il martirio di S. Orsola (1700 c.), Davidis pugna et victoria (1700), Il Sacrificio d’Abramo (1703), L’Assunzione della beatissima Vergine (1703), S. Casimiro re di Polonia (1705), Pastorale per la Natività del Bambino Gesú (1705), La Santissima Vergine del Rosario (1705 c.), Caino overo Il primo omicidio (1706), Il Sedecia (1706), La Passione di Nostro Signore (1708), Il martirio di S. Cecilia (1708), Il trionfo del valore (1709), La Santissima Annunciata (1710 c.), La Santissima Trinità (1715), La Vergine addolorata (1717), La gloriosa gara tra la Santità e la Sapienza (1720). [5]

4. ESTILO MUSICAL

Fase inicial

Os primeiros oratórios de Scarlatti, tais como Agar et Ismaele esiliati (1683) e La Giuditta (1695), representam um tipo de libreto e de música mais característicos do século XVII: relação flexível entre trechos de recitativo, arioso e ária; árias em forma estrófica ou binárias (raramente ABA ou ABA’); e árias geralmente acompanhadas só por baixo contínuo, algumas unificadas por baixo ostinato. [6]

Fases intermediária e tardia

No período intermediário, entre 1696 e 1708, com obras como Il primo omicidio (1707), aparecem as tendências do barroco tardio que se desenvolverão ainda mais nos oratórios compostos após 1708, tais como Oratorio per la Santíssima Trinità (1715) e La vergine addolorata (1717). No período intermediário e tardio a ária da capo se torna fundamental, praticamente sendo excluídas as outras formas de ária. O baixo ostinato é raramente utilizado e a alternância regular de recitativo e ária se torna normativa. Também se tornam comuns as árias acompanhadas por orquestra e o uso eventual de recitativo acompanhado (acordes sustentados nas cordas).

Em geral, Scarlatti não utiliza coro ou inclui apenas breves passagens corais que podem ser cantadas como um conjunto dos próprio solistas. A exceção é o Oratório Davidis pugna et victoria, apresentado no Oratorio del Santissimo Crocifisso (Roma) em 1700, exigindo 5 solistas (SSATB) e um coro duplo separado (SATB-SATB). Essa obra é considerada antiquada para a época, pois ainda apresenta testo, árias com baixo ostinato e árias estróficas. [7]

Influência da Ópera

Muitos dos recursos formais e expressivos que apareciam nas óperas de Scarlatti também foram utilizados em seus oratórios. Mesmo sua música estritamente litúrgica também apresenta tanto o stile antico, aos moldes da antiga polifonia clássica, como também a forma de Misa Cantata, já com elementos operísticos.

A pouca importância dada ao coro juntamente com a crescente atenção dada ao esplendor vocal e à exploração dramática dos efeitos orquestrais apontam para uma grande proximidade estilística da ópera com o oratório barroco. O estilo musical semelhante, apesar da temática bastante distinta, indica o uso do oratório como música operística para os dias penitenciais da Quaresma. Ou seja, ouvia-se formas musicais já apreciadas nas óperas, mas adequava-se a temática. No Oratório da Assunção, por exemplo, Scarlatti o encerra com um dueto em ritmo de siciliana, entre a Noiva e o Noivo celestiais, o que, em termos musicais, era facilmente empregado também em cenas amorosas de uma ópera convencional do século XVIII. [8]

4. ORATÓRIO IL PRIMO OMICIDIO

Vozes

Os oratórios maduros de Scarlatti são bem representados em Il primo omicidio, apresentado em Veneza, em 1707, e depois novamente em Roma, em 1710. Esse Oratório é escrito para 6 vozes:

  • Eva (Soprano)
  • Abel e Voz de Abel depois da morte (Soprano)
  • Caim (Contralto)
  • Voz de Deus (Contralto)
  • Adão (Tenor)
  • Voz de Lúcifer (Baixo)

Não há coro e eventualmente as partes solos se combinam em duetos. Orquestra de cordas é em 5 ou 6 partes e alguns números incluem 1 ou 2 violinos. [9]

Libreto

O libreto de Il primo omicidio é anônimo, dividido em duas partes e baseado em Gn IV, 1-16. Apresenta um embate central entre o assassino, invejoso e cheio de remorso Caim, aconselhado por Lúcifer; e a família de Caim temente a Deus, juntamente com a Voz de Deus.

Parte 1

Inicia-se com as reflexões penitenciais de Adão e Eva após o pecado original, seguidas pela expressão do desejo de Caim e Abel, seus filhos, de oferecerem um sacrifício para aplacar a ira de Deus. A inveja de Caim se revela quando a Voz de Deus elogia o sacrifício de Abel, mas não aceita o de Caim. Então Lúcifer aconselha Caim a assassinar seu irmão Abel.

Parte 2

Enquanto Caim e Abel estão descansando sob a sombra de uma árvore, Caim ataca o irmão e comete, assim, o primeiro assassinato da história humana. A Voz de Deus pergunta por Abel e Caim diz que nada sabe, sendo então condenado a vagar no exílio e lamentar seu destino. A Voz de Abel fala a seus pais, Adão e Eva, sobre sua morte e sobre sua felicidade com Deus. Adão e Eva lamentam a ausência dos dois filhos, mas em um dueto final antecipam alegremente a salvação dos homens pelo Sangue de Cristo. [10]

Números musicais

Árias e duetos

O Oratório possui ao todo 22 árias: 6 de Caim, 4 de Adão, 4 da Voz de Deus, 3 de Eva, 2 de Abel, 2 da Voz de Lúcifer e 1 da Voz de Abel após a morte. Possui ainda 5 duetos e 4 recitativos acompanhados. Com exceção de três delas, todas as árias são acompanhadas por orquestra. Aproximadamente metade das árias e duetos empregam começo com motto. A ampla maioria dos números musicais está escrito em compasso binário e a média de extensão é de 65 compassos. As passagens melismáticas geralmente representam uma ênfase em palavras importantes, mas raramente ultrapassam dois ou três compassos, não chegando a configurar um estilo elaborado de coloratura (ver Exemplos 01 e 02). [11]


EXEMPLO 01: A. Scarlatti – Oratório “Il primo omicidio”, Ária “Dalla mandra un puro agnello”


EXEMPLO 02: A. Scarlatti – Oratório “Il primo omicidio”, Ária “Sommo Dio”

Afetos e estilos

As ária e os duetos do Oratório geralmente expressam um único afeto, mas algumas empregam uma seção contrastante no meio. Há grande variedade de afetos e estilos, tais como:

  • Siciliano: Ária Dalla mandra, Abel (reflexão para escolher a melhor ovelha de seu rebanho para oferecer a Deus); Ária Madre tenera, Eva (lamento pelos filhos);
  • Adagio, lento ou grave – melancolia: Ária Sommo Dio, Eva (pedido a Deus para que tenha misericórdia de seus filhos; progressão cromática em mio peccato, sexta napolitana em habbi pietà, melisma em pietà, movimento rítmico parecido ao de sarabanda);
  • Padrões rítmicos fortemente marcados, vigorosos e tempos moderato-para-rápido: Ária Mi balena, Adão (angústia pela expulsão do paraíso); Ária Poche lagrime, Lúcifer (cinismo); Ária Vuo il castigo, Voz de Deus (castigo de Caim); Mascheratevi o miei sdegni, Caim (inveja, engano e ira) (ver Exemplo 03).

EXEMPLO 01: A. Scarlatti – Oratório “Il primo omicidio”, Ária “Mascheratevi”

  • Tempos moderato-rápido – afetos alegres: Dueto La fraterna amica, Caim e Abel (dueto e amor fraterno, com seção central contrastante – expressão de sede de vingança de Caim); Ária No, non piangete, Voz de Abel (para que os pais não lamentem); Dueto Contenti presenti, Adão e Eva (giga animada – futura Salvação). [12]

Recitativos

Os recitativos simples (apenas com acompanhamento do baixo contínuo) raramente chegam ao arioso, que era comum no século XVII e só dois deles são em breve estilo de ária. Os recitativos acompanhados são quatro, todos cantados pela Voz de Deus, não diferindo significativamente no estilo vocal dos recitativos simples e sendo todos acompanhados por quatro cordas (acordes sustentados). [13]

Números instrumentais

O número instrumental de abertura (Introduzione all’oratorio) parece um concerto para violino solo em miniatura, com quatro partes de cordas e baixo contínuo (3 movimentos: spirituoso, adagio e allegro), alternância entre violino e demais cordas e um final na forma de giga. Ao longo do Oratório há ainda cinco outros números puramente instrumentais. São todos breves e têm a função de estabelecer um afeto ou imitar um evento (Ex: retrato dos golpes dados por Caim).

O estilo de concerto, em que um ou dois violinos contrastam com a orquestra, é usado em um número instrumental interno e em quatro acompanhamentos vocais. Há ainda outro elemento característico de textura musical barroca: cordas em uníssono mais baixo contínuo, ocorrendo em nove árias e dois duetos. [14]

5. TRADUÇÃO DO LIBRETO

Indico a seguir, como fechamento do presente artigo, uma tradução [15] minha para o libreto completo do Oratório Il primo omicidio de Alessandro Scarlatti. Para apreciação de óperas e oratórios é conveniente sempre ter o libreto em mãos. Em um próximo artigo tratarei dos oratórios de Antonio Vivaldi (1678-1741).

Nos cum prole pia – benedicat Virgo Maria.

PRIMA PARTE

1.- Spiritoso
2.- Adagio
3.- Allegro
PRIMEIRA PARTE

1.- Spiritoso
2.- Adagio
3.- Allegro
ADAMO
4. Recitativo
Figli miseri figli
Miseri perchè miei
Sol per mia colpa rei
Il mio tardo rimorso or vi consigli.
Figli miseri figli
Eva troppo credesti, io troppo amai
Mi porgesti, io gustai
E perdei crudo padre, incauto sposo
Grazia, vita e riposo
ADÃO
4. Recitativo
Meus filhos, meus pobres filhos!
Pobres, porque sendo meus filhos
estão condenados pelo meu pecado.
Meu tardio remorso pode servir de exemplo!
Meus filhos, meus pobres filhos!
Eva, foste muito ingênua e te amava muito.
Tu o ofereceste e eu o provei … e perdi,
Cruel pai, incauto esposo,
Graça, vida e repouso.
5. Aria
Mi balena ancor sul ciglio
Quella spada fulminante,
Che dal Ciel mi discacciò
Io vi trassi nel periglio;
Ma dall’ira del Tonante
Poi difendervi non sò.
Mi balena ancor sul cigli …
5. Ária
Ainda queima nas minhas pálpebras
aquela espada fulminante
que me expulsou do paraíso.
Eu me expus ao perigo
mas da ira de Deus
não sabia como me defender.
Ainda arde nas minhas pálpebras …
EVA
6. Recitativo
Di Serpe ingannator perfida frode
Fé veder quanto possa
In cor di donna ambiziosa lode;
Io sola, io sola ho scossa
La tua costanza, e ben che in Ciel sia scritto
Il castigo per tutti, è mio il delitto.
EVA
6. Recitativo
Uma serpente fraudulenta, pérfida e enganadora
me ensinou o que consegue alcançar
a adulação no coração de uma mulher ambiciosa.
Fui eu, somente eu quem quebrou tua fidelidade;
e ainda que no Paraíso esteja escrito que o castigo
será para todos, o delito é unicamente meu.
7. Aria
Caro sposo, prole amata.
Toleriam la giusta pena,
Voi di Re fatti bifolchi
Di sudor bagnate I solchi
Ch’io ne’ parti tormentata
Non grodò vita serena
Caro sposo, prole amata …
7. Ária
Querido esposo, amados filhos,
tende sempre em mente a justa punição!
De rainha, tornei-me lavradora,
que com o suor da testa rega os sulcos.
Estou só, atormentada,
Nunca mais terei paz na vida.
Querido esposo, amados filhos …
ABELE
8. Recitativo
Genitori adorati
Tanto non v’affliggete; è Dio pietoso,
E quant’odia i peccati,
Tant’ama il pentimento; io sperar oso,
(Ancor che sia del Divin guardo indegno)
Ch’il sacrificio mio planchi il suo sdegno
ABEL
8. Recitativo
Amados pais
Não vos aflijais tanto; Deus é piedoso
E por muito que odeie o pecado,
Ama mais o arrependimento; eu ouso esperar que,
ainda que não seja eu digno de Seu divino olhar,
meu sacrifício aplaque Sua ira.
9. Aria
Dalla mandra un puro agnello
Il più candido, il più bello
Per svenargli io sceglierò,
E d’incenso, e mirra eletta
Arderà fiamma perfetta
Col mio cor, che gl’offrirò.
Dalla mandra un puro agnello …
9. Ária
Do rebanho um puro cordeiro,
o mais alvo, o mais belo,
escolherei para sacrificá-lo.
Com o melhor incenso e melhor mirra
arderá uma chama perfeita,
e meu coração oferecerei junto com eles.
Do rebanho um puro cordeiro …
CAINO
10. Recitativo
Padre questa d’Abel forz’è che sia
O superbia, o follia
Ei mi nacque secondo, e a me s’aspetta
Placar del Ciel l’orribile vendetta.
CAIM
10. Recitativo
Pai, essas palavras de Abel,
são de orgulho ou de loucura.
Ele é o mais novo, e a mim me corresponde o dever
de apaziguar a terrível vingança do Céu.
11. Aria
Della Terra i frutti primi,
Io rigai col sudor mio,
E fian doni più sublimi,
Più graditi al Sommo Dio.
Della Terra … ecc.
11. Ária
O fruto primeiro da Terra,
regarei com meu suor,
será a mais sublime das oferendas
e a mais agradável ao Sumo Deus.
O fruto primeiro … etc.
ADAMO
12. Recitativo
Figli cessin le gare; in voi comprendo
Egual cura, egual zelo
D’esser graditi al Cielo;
Ambi sacrificate; Il frutto attendo
De’ vostri voti; onde L’omaggio offerto
Accolga il Nume, a ve l’ascriva a merto.
ADÁN
12. Recitativo
Filhos, cessai a disputa!
Pelo que sei, com iguais dedicação e zelo
esperais encontrar a graça do Céu.
Realizai o sacrifício, e esperai o resultado.
Os votos e homenagens que oferecerdes ao Céu,
Deus os aceitará e vos recompensará por eles.
13. Aria
Più del doni il cor devoto
Brama in dono
L’amoroso Creator,
Et è un anima dolente
L’olocausto più possente
Per placar il suo furor.
Più dei doni … ecc.
13. Ária
Mais do que oferendas,
é um coração devoto o que deseja receber
o Criador amoroso.
Uma alma arrependida
é o holocausto mais poderoso
para aplacar sua ira.
Mais do que oferendas … etc.
EVA
14. Recitativo
Disposto o figli è il sacrificio; accosti
Ogn’un la face al proprio rogo. Oh come
Serpe tra que’ composti
Ligni la sacra fiamma, e l’auree chiome
Tra que ‘ fumi odorati Il Sole è un ombra.
Che dove Dio risplende Il Sole è un ombra.
EVA
14. Recitativo
O sacrifício, ó filhos, já está preparado;
ide à pira! Oh, a chama sagrada
surge como uma serpente,
através da lenha e das coroas de cabelos dourados!
A fumaça perfumada escurece o sol,
pois onde Deus brilha, o sol é apenas uma sombra.
15. Aria
Sommo Dio nel mio peccato
De’ miei figli abbi pietà.
Sin che cresca il sacro legno
Che scegliesti al gran disegno
Dell’Agnel sacrificato
Per la nostra libertà.
Sommo Dio … ecc
15. Ária
Sumo Deus, meu pecado
não castigueis em meus filhos.
Até que cresça o sagrado lenho
com o qual se realizará
o sacrifício do Cordeiro
para nossa redenção.
Sumo Deus … etc.
16. Recitativo
ABELE
Miei Genitori, oh come dritta ascende
La mia fiamma alle sfere, e qual risplende!
CAINO
La mia d’arder ricusa, e s’alza obliqua
Densa, e caliginosa. Oh sorte iniqua!
16. Recitativo
ABEL
Meus pais, oh, como se elevam as chamas para o alto,
até às estrelas, e com que fulgor brilham!
CAIM
Minhas chamas se recusam a arder,
nascem oblíquas, espessas e negras. Oh, destino injusto!
17. Duetto
ABELE
Dio pietoso ogni mio armento
A tua gloria io vuò svenar.
CAINO
(fra sè)
Io di sdegno arder mi sento,
E mi voglio vendicar.
ABELE
Del tuo guardo io non son degno,
CAINO
(fra sè)
Tu morrai fratello indegno.
ABELE
E ti vuò sempre adorar.
CAINO
(fra sè)
Non ti posso sopportar.
ABELE
Dio pietoso … ecc.
17. Dueto
ABEL
Deus misericordioso, quero sacrificar
todo meu rebanho à vossa glória!
CAIM
(à parte)
De indignação me sinto arder.
Desejo vingar-me!
ABEL
Eu não sou digno de vosso olhar.
CAIM
(à parte)
Vais morrer, irmão indigno!
ABEL
Adorar-Vos-ei para sempre.
CAIM
(à parte)
Não te posso suportar!
ABEL
Deus misericordioso … etc.
18. Recitativo
ADAMO
Figli balena il Ciel d’alto splendore,
Quest’è luce immortal del mio Signore.
EVA
Prostrato ogn’un adori il sacro lume,
E ascolti umil ciò, che comanda il Nume.
18. Recitativo
ADÃO
Filhos, o Céu brilha com maravilhoso esplendor,
é a luz imortal de meu Senhor.
EVA
De joelhos adoremos todos à luz sagrada,
e humildemente escutemos o que Deus ordena.
19. Sinfonia 19. Sinfonia
VOCE DI DIO
20. Recitativo
Prima immagine mia, prima fattura
Del braccio Onnipotente,
Mortal per legge, di mortal natura,
E per l’alma immortal da nostre esente,
Il tuo Dio che risente
L’oltraggio, ond’a punirti armò la destra
Decretò di salvarti; or t’ammaestra
VOZ DE DIOS
20. Recitativo
Primeira imagem minha, primeira criatura,
saída da mão onipotente,
Mortal por decreto, mortal por natureza.
e pela alma imortal, isento de morte.
Teu Deus, a quem ofendeste,
castigou-te com a arma de sua mão direita.
Entretanto, decidido ainda a salvar-te, diz-te:
21. Aria
L’olocausto de tu Abelle
Giunse al Ciel, passò le stelle,
En il cor mi penetrò;
Più del rogo ardeagli in petto
Fiamma umil di puro affetto,
Ch’a gradirlo mi alletto,
L’olocausto … ecc.
21. Ária
Teu sacrifício, Abel, foi elevado ao céu,
até mais além das estrelas
e penetrou profundamente em meu coração.
As chamas arderam em meu peito,
chamas de amor, humilde e puro,
que me inclinaram a aceitá-lo.
Teu sacrifício … etc.
22. Recitativo
Ne’ tuoi figli, e nipoti
Sveglia sensi devoti,
Instilla in lor del Divin culto il zelo,
Che ben si può far violenza al Cielo.
22. Recitativo
Em teus filhos e netos
desperta sentimentos piedosos.
Inculca em seus corações o zelo do culto divino,
que bem pode fazer violência ao Céu.
23. Recitativo
EVA
Udiste, udiste, o figli
I Divini consigli?
ADAMO
Del Creatore i detti
Consigli non son già, ma son precetti.
23. Recitativo
EVA
Ouvistes, ouvistes, ó meus filhos?
São os conselhos de Deus!
ADÃO
As palavras do Criador
não são simples conselhos, são leis.
24. Duetto
EVA
Aderite
ADAMO
Obbedite
EVA, ADAMO
O figli miei
ADAMO
Al piacer
EVA
Al voler
EVA, ADAMO
Del mio Signore
Perché al fin se no’l farete
Resterete
ADAMO
Senza il Cielo, perché rei,
Senza il mondo, se si more.
Aderite … ecc
24. Dueto
EVA
Inclinai-vos!
ADÃO
Obedecei!
AMBOS
Oh, meus filhos
ADÃO
É o desejo
EVA:
É a vontade
AMBOS
de Nosso Senhor
Porque se não o fizerdes
Ficareis
ADÃO
Sem o Céu, porque culpados,
Sem o mundo, se morrerem.
Inclinai-vos … etc.
25. Sinfonia25. Sinfonia
VOCE DI LUCIFERO
26. Recitativo
Cain, che fai, che pensi? Anima vile
De tuoi scorni t’appaghi, e ti compiaci,
Soffri l’oltraggio, e taci?
Sei pur del Re del Mondo
Primogenita prole?
E chi nacque secondo
Già ti medita al piè nodo servile;
Il Ciel, che ti prescelse, il Ciel t’esclude,
Dunque il Ciel ti delude;
Sprezzalo, s’ei ti sprezza, uccide Abelle
Morto ch’ei sia, che ti faran le stelle?
VOZ DE LÚCIFER
26. Recitativo
Caim, o que fazes? O que pensas? Alma covarde
Tu suportas resignado tua desgraça, alegra-te nela;
insultam a ti e te calas?
Não és porventura o primogênito
do Rei do Mundo:
Ele, que nasceu depois,
pensa em te escravizar a seus pés.
O Céu, que te escolheu, agora te exclui,
Assim o Céu burla de ti;
Despreza-o, se te despreza, mata Abel!
Morto ele, que dano te podem fazer a estrelas?
27. Aria
Porche lagrime dolenti
Su l’estinta amata prole
Spargeranno i genitor;
Mas poi solo, come il sole
Saran tuoi tutti gl’armenti,
Sarà tuo tutto l’amor
Porche lagrime… ecc.
27. Ária
Teus pais derramarão
lágrimas de tristeza
pelo filho amado que já não existe.
Entretanto, tu serás o único, como o sol.
Pertencerão a ti todos os rebanhos,
e teu será todo o amor.
Teus pais … etc.
CAINO
28. Recitativo
D’ucciderlo risolvo; il core affretta
La destra impaziente alla vendetta.
CAIM
28. Recitativo
Decidi matá-lo, meu coração o deseja.
Minha destra está impaciente por vigança.
29. Aria
Mascheratevi o miei sdegni
Con le spoglie dell’amore,
Pur ch’io giunga ai miei disegni
M’odii il padre, e Dio mi sdegni
Fratricida, e traditor.
Mascheratevi … ecc
29. Ária
Ocultarei meu ódio
sob a máscara do amor.
Meu pai me odeia, e Deus me despreza,
ainda que tenha êxito em meus objetivos.
Fratricida e traidor!
Ocultarei … etc.
30. Recitativo
CAINO
Ecco il fratello; anzi il nemico. Abelle
Viddi gl’armenti tuoi,
Viddi gl’agnelli, e i buoi;
Vientene, io pur desio,
Che tu vegga nel campo
L’opre del sudor mio.
ABELE
Andiam mio caro, oh qual noioso inciampo
Quasi cader mi fé
Nel seguir il tuo piè;
Per il calle a me ignoto or tu mi guida,
Che non v’è d’un fratel scorta più fida.
30. Recitativo
CAIM
Eis aqui meu irmão, ou melhor, o inimigo, Abel.
Vi suas ovelhas, seus cordeiros
e todo seu gado;
Eu os desejo!
Venha ver meus campos,
venha a ver o fruto de meu trabalho.
ABEL
Vamos, caro irmão, oh, quase tropeço
em um obstáculo molesto!
Sigo teus passos, mas me conduzes
por caminhos que não conheço.
Contudo, não há guia mais seguro do que um irmão.
31. Duetto
ABELE, CAINO
La fraterna amica pace
Grata è al mondo, e a Dio diletta;
CAINO
(fra sè)
A chi è offeso oh quanto piace
Poter far la sua vendetta;
31. Dueto
ABEL, CAIM
A fraterna e amiga paz
agradam ao mundo e a deleitam a Deus!
CAIN
(à parte)
A quem foi ofendido,
quanto agrada poder fazer vingança!
32. Recitativo
ABELE
Sempre l’amor fraterno è un ben sincero,
CAINO
(fra sè)
Ogn’un dice così, ma non è vero.
32. Recitativo
ABEL
O amor fraterno, é sempre um amor sincero.
CAÍM
(à parte)
Todo mundo diz isso, mas não é certo.
SECONDA PARTE

CAINO
33. Recitativo
Fermiam qui Abelle il passo,
T’assidi su quel sasso,
E all’ombra di que’mirti,
Di quel ruscello accanto
Posiam per poco a ristorar gli spirti,
E la stanchezza a riparar col canto
SEGUNDA PARTE

CAIM
33. Recitativo
Detenhamo-nos aqui, Abel.
Senta-te nesta pedra,
e sob a sombra das murtas.
Ao lado desta torrente que flui a nosso lado,
poderemos por um tempo descansar nossos espíritos
e mitigar o cansaço, entoando cantos.
34. Aria
Perché mormora il ruscello,
Perché s’agita la fronda,
Quando un sasso, o un venticello
Scuote un ramo, o increspa un’onda?
Perchè … ecc
34. Ária
Por que murmura a torrente?
Por que sussurram as folhas?
Pode uma pedra ou uma leve brisa
agitar um galho ou produzir uma onda?
Por que … etc.
ABELE
35. Aria
Ti risponde il ruscelletto,
Che nel povero suo letto
Brama placido posar;
Ti rispondono I virgulti,
Che lontani dai tumulti
Braman lieti verdeggiar.
Ti risponde … ecc.
ABEL
35. Ária
O arroio te responde
que em seu simples leito
ele deseja repousar.
Os galhos te respondem
que, longes do tumulto,
desejam felizmente brotar.
O arroio … etc.
36. Recitativo
Or se braman posar la fronde, e’l rio,
Tra la fronda, e il ruscel riposo anch’io.
36. Recitativo
Se as folhas e o arroio desejam descanso,
entre as folhas e o arroio eu também quero repousar.
37. Recitativo
CAINO
Più non so trattener l’impeto interno;
Dormi, se dorme brami un sonno eterno.
ABELE
Soccorso oh Dio!
CAINO
Dio n’è lontano.
ABELE
Imploro la tua pietà.
CAINO
Replico il colpo.
ABELE
Io moro.
37. Recitativo
CAIM
Não posso mais suportar este impulso em meu peito:
dorme, se queres dormir, um sono eterno.
ABEL
Socorro! Oh, Deus!
CAIM
Deus está longe.
ABEL
Imploro tua piedade.
CAIM
Golpeio-te outra vez.
ABEL
Eu morro.
38. Sinfonia38. Sinfonia
39. Recitativo
VOCE DI DIO
Cain dov’è il fratello? Abel dov’è?
CAINO
No’l so Signor; forse del fratel mio
Il custode son io?
VOCE DI DIO
Che mai facesti? Il sangue
Del tuo german sin dalla terra esclama;
Quel cadavere esangue
Maledetto ti chiama;
Or di strage fraterna il suolo asperso
Per te inutil bifolco
Negherà sempre avverso,
Che germe alcun più ti produca il solco,
Disperato, e solingo
Aborrito da tutti andrai ramingo
39. Recitativo
VOZ DE DIOS
Caim, onde está teu irmão? Onde está Abel?
CAIM
Não sei, Senhor; por acaso sou eu
o guardião de meu irmão?
VOZ DE DEUS
O que fizeste? O sangue
de teu irmão clama desde a terra.
Seu corpo ensanguentado
te chama maldito.
A terra encharcada com o sangue de teu irmão
para ti, inútil agricultor,
será sempre hostil.
Nenhuma semente crescerá em seus sulcos.
Desesperado e sozinho, odiado por todos,
serás peregrino e errante sobre a terra.
40. Aria
Come mostro spaventevole
Da te ogn’uno fuggirà,
E qual furia abominevole
Sempre il Ciel t’aborrirà.
Come … ecc.
40. Ária
Como de um monstro aterrador,
de ti todos fugirão,
E como uma fúria abominável,
o Céu sempre te aborrecerá.
Como … etc.
CAINO
41. Recitativo
Signor se mi dai bando,
E dal tuo aspetto e dalla Terra, in pena
Del grave error, ch’il tuo perdon non merta
Andrò per poco errando;
Ecco ch’ogn’un mi svena,
E la mia vita ad ogni passo è incerta.
CAIM
41. Recitativo
Senhor, se Vós me desterrais
de vosso rosto e da terra, como castigo
por meu grave crime, que não merece vosso perdão,
eu não poderia ir muito longe,
pois todos procurariam matar-me
e a cada passo se veria ameaçada minha vida.
42. Aria
O preservami per mia pena,
O mi fulmina per pietà;
Il timor mi rende ardito,
Quindi merto esser punito
Per l’ardir, per la viltà.
O preservami … ecc.
42. Ária
Ou preservai-me por meu castigo,
ou fulminai-me por piedade;
O medo me dá forças,
Por isso mereço ser punido
pela minha audácia e vileza.
Ou preservai-me … etc.
VOCE DI DIO
43. Recitativo
Vattene non temer; tu non morrai;
Nella tua fronte impresa
Il mio commando avrai,
Né ad alcun fia permesso
Di farti insulto; E chi sarà l’ardito
Sette volte di più sarà punito.
VOZ DE DEUS
43. Recitativo
Siga teu caminho sem temor, não morrerás.
Em tua fronte imprimirei
minha ordem:
que não se permita fazer-te dano,
e o que tentar,
deverá sofrer um castigo sete vezes pior que o teu.
44. Aria
Vuò il castigo, non voglio la morte,
Che la vita tua pena sarà,
Del morire la pene son corte;
Ma il rimorso un inferno si fa.
Vuò … ecc.
44. Ária
Teu castigo não será a morte,
que a vida te seja o castigo.
Se morresses, a pena seria muito curta.
O remorso será para ti um inferno.
Teu castigo … etc.
CAINO
45. Recitativo
O ch’io mora vivendo,
O ch’io viva morendo,
Non cangia tempre il mio destin spietato,
Che non sa d’esser vivo un disperato.
CAIM
45. Recitativo
Seja morrer vivendo
ou viver morrendo,
nada mudará em meu destino miserável,
pois o que está desesperado não sabe que vive.
46. Aria
Bramo infieme, e morte, e vita,
Nè sò dir ciò, che vorrei;
Colpa mia ne fei punita
Hor, ch’il Mondo, e Dio perdei?
Bramo … ecc.
46. Ária
Seja a morte, seja a vida,
não sei o que é melhor.
Meu crime foi castigado
e perdi o mundo e a Deus.
Seja … etc.
VOCE DI LUCIFERO
47. Sinfonia e Recitativo
Codardo nell’ardire, e nel timore
Disperato Cain dove’è il tuo core?
Tu primo figlio, e caro
Del prim’uom della Terra,
Tu primiero omicida,
Primo ad espor l’immagine di guerra,
Tu primo traditore, e fratricida,
E se a morir sarai secondo, il fato
Ti destina (se vuoi) primo dannato.
VOZ DE LÚCIFER
47. Sinfonia e Recitativo
Covarde na audácia, e no medo,
desesperado Caim, onde está teu valor?
Tu, o primogênito
do primeiro homem da terra.
Tu, o primeiro homicida,
o primeiro em mostrar a imagem da violência.
Tu, o primeiro traidor e fratricida,
se deves ser o segundo em morrer,
o destino te elege para ser o primeiro dos condenados.
48. Aria
Nel poter Il Nume imita;
E col Ciel pugna da forte;
S’ei diè legge alla tua vita,
Tu comanda alla tua morte.
Nel poter … ecc.
48. Ária
Imitar a Deus em seu poder
e lutar ferozmente contra o Céu.
Ele te deu uma lei que quebraste
e consequentemente, Ele ordenou tua morte.
Imitar … etc.
CAINO
49. Recitativo
Oh consigli d’Inferno, onde soggiace
D’Adam la prole al memorando esilio,
Tradiste il padre, ed or tentate il figlio?
Senza Dio, senza pace
Ramingo andrò; ma non vuò farmi adesso
Reo d’un fratello ucciso, e di me stesso.
CAIM
49. Recitativo
Oh, infernal conselho, que sujeitaste
prole de Adão a perenal exílio,
Traíste o pai, e agora tentais o filho?
Sem Deus, sem paz
vagarei sem rumo; sou agora culpado
de um irmão assassinado, e de mim mesmo.
50. Aria
Miei genitori addio,
Più non vi rivedrò,
Due figli oggi piangete,
L’uno per me perdete,
L’altro perchè peccò.
Miei … ecc.
50. Ária
Adeus, meus pais,
já não os voltarei a ver!
Dois filhos tereis que hoje chorar.
Um deles perdido por culpa minha,
o outro porque pecou.
Adeus … etc.
51. Duetto
EVA
Mio sposo al cor mi sento
Incognito dolor.
ADAMO
Consorte il tuo tormento
Riflette nel mio cor;
EVA
Son lunge i nostri figli
Di lor, che mai sarà?
ADAMO
Da mali, e da perigli
Il Ciel gli salverà;
EVA
E pur la doglia mia
Cresce, né so perché,
ADAMO
Cresce, e forz’è che sia
EVA
De’ figli il grand’ amor.
Mio Sposo … ecc.
51. Dueto
EVA
Esposo, sinto em meu coração
uma estranha dor.
ADÃO
Querida esposa, teu tormento
se reflete em meu próprio coração.
EVA
Nossos filhos estão longe.
Que será deles?
ADÃO
De todos os males e perigos
o Céu os protegerá.
EVA
E, contudo, minha dor aumenta
cada vez mais, e não sei a razão.
ADÃO
Cresce tanto como …
EVA
… o amor por nossos filhos.
Esposo … etc.
52. Aria
VOCE D’ABELE
Miei genitori amati.
ADAMO, EVA
Quest’è voce d’Abel; ma Abel dov’è?
VOCE D’ABELE
Miei genitori amati Abel son io,
Morto a voi, vivo a Dio,
Dall’invido germano
Fui tradito, et ucciso;
Erra quell’inumano
Per decreto del Ciel da voi diviso;
Ma non morrà, che no’l consente il Nume;
Io d’amor su le piume
Miei cari a voi ne vengo,
E vi consolo e a quella
Pace in cui v’attendo
Io volo.
52. Ária
VOZ DE ABEL:
Amados pais!
ADÃO, EVA:
Essa é a voz de Abel; mas onde está Abel?
VOZ DE ABEL:
Meus queridos pais, sou eu, Abel.
Morto para vós, vivo para Deus.
Pelo irmão invejoso
fui traído e morto.
Agora o desumano vagueia errante
longe de vós, por decreto do Céu.
Mas ele não morrerá, pois assim Deus decretou.
Eu, nas asas do amor,
meus pais queridos, a vós venho,
E vos consolo e
àquela paz em que vos espero
eu voo.
53. Aria
Non piangete il figlio ucciso,
Vi sollievi il mio conforto,
Per me certo è il Paradiso,
Più del vivo è salvo il morto.
Non … ecc.
53. Ária
Não choreis pelo filho assassinado.
Que vos conforte meu atual estado.
Para mim o Paraíso é certo,
mais que o vivo, é salvo o morto.
Não choreis … etc.
EVA
54. Recitativo
Ferma del figlio mio voce gradita,
Tu mi lusinghi, e fai,
Ch’io speri ancor, ch’ei si conservi in vita;
Ma, ch’io cessi giammai
Di sospirar per i perduti figli
Nulla Il tempo potrà, nulla i consigli.
EVA
54. Recitativo
Cala-te, voz de meu filho amado,
confundes a mim e me fazes crer
que ainda estás vivo.
Nunca deixarei de suspirar
por meus filhos perdidos.
Nada pode fazer o tempo, nem os sábios conselhos.
55. Aria
Madre tenera, et amante
Per entrambi ho molle il viso,
Piango l’uno, perché è errante,
Piango l’altro, perché è ucciso.
Madre … ecc.
55. Ária
Como mãe terna e amorosa,
por ambos o meu rosto está banhado em lágrimas.
Choro por um porque está perdido,
choro por outro porque foi morto.
Como … etc.
ADAMO
56. Recitativo
Sin che spoglia mortale
L’alma veste, et aggrava, all’uomo è forza
D’esser tenero, e frale;
Di frenar i singulti Adam si sforza;
Ma se ragion la mia fiacchezza impugna,
Amor di padre ogni ragione espugna.
ADÃO
56. Recitativo
Quando o corpo mortal se veste com o manto da alma,
penosa é a sorte do homem.
Como é débil e frágil,
Adão trata de conter as lágrimas;
mas ainda que pense, a debilidade se apodera dele.
Pensamento algum pode acalmar o amor de um pai.
57. Aria
Padre misero, e dolente
Per entrambi ho molle il ciglio,
Piango l’un, perch’è innocente,
Piango l’altro, perch’è è figlio.
Padre … ecc.
57. Ária
Miserável e aflito pai!
Por meus dois filhos meus olhos choram,
Choro por um porque é inocente
e choro por outro porque é meu filho.
Miserável … etc.
58. Recitativo
Spirto del figlio mio, questi son sensi
Di padre addolorato,
Or ripiglio il coraggio,
E parlo da prim’uom, parlo da saggio.
Dio fra’suoi doni immensi
Mi diede i figli; ei può ritorni; ardito
Peccò Cain; giust’è, che sia punito,
Abel morì, dovea morir, l’eccesso
Fu dal Nume permesso,
Perch’io mortal mi riconosca in lui,
L’altro punì per dar esempio altrui;
EVA
O che privi di prole
E di ristoro soli restiam,
Qual fida al Cielo il tralcio eletto
Al divino concetto,
Ch’anche lontan come presente adoro?
ADAMO
Per questa santa ambizion desio
Prole novella e la dimando a Dio.
58. Recitativo
Espírito de meu filho, esses são os sentimentos
de um pai enfermo pela dor.
Mas agora devo ter coragem
e falar como um homem sábio.
Deus, entre seus imensos dons, deu-me filhos;
portanto pode tirá-los.
Caim pecou, é correto que seja castigado;
Abel morreu, ele tinha que morrer.
A injustiça foi permitida por Deus,
Para eu me reconhecer como mortal em um,
e no outro, punido, para servir de exemplo aos demais.
EVA:
E agora, o que nos resta?
Desprovidos de filhos,
que rama elegerá Deus
para continuar sua criação?
Recordo-os como se estivessem presentes.
ADÃO:
Para alcançar tal fim,
novos filhos peço a Deus.
59. Aria
Piango la prole esangue,
E chiedo prole ancor;
Ma se col mio peccato
Con l’uomo ho Dio sdegnato,
Bramo, che dal mio sangue
Ne nasca il Redentor.
Piango … ecc.
59. Ária
Choro por meus filhos mortos,
e, contudo, desejo ter outros.
Mas se por causa de meu pecado
atraí a ira de Deus sobre a humanidade,
peço que de meu sangue
nasça o Redentor.
Choro … etc.
VOCE DI DIO
60. Recitativo
Adam prole tu chiedi, e prole avrai
Dal cui seme fecondo
Nascer dovrà chi mai non nacque al mondo
Nè finirà già mai
Sin che non segua il gran giudizio,
E tutta l’umanità distrutta,
Che dal nulla formai, non torni al nulla,
E non trovi il sepolcro entro la culla.
VOZ DE DEUS
60. Recitativo
Adão, pedes descendência e descendência terás.
De tua fecunda semente
quem nunca nasceu no mundo terá que nascer
e não findará jamais
Até que ocorra o grande Juízo,
e toda a humanidade consumada
que do nada foi formada, não volte ao nada,
e não encontre o sepulcro em seu berço.
61. Aria
L’innocenza pacando perdeste,
Io pietoso non perdo l’amor,
Voi sprezzaste lo sdegno celeste;
Io sprezzato sarò il Redentor
L’innocenza … ecc.
61. Ária
Ao pecar perdeste a inocência,
mas Eu, por compaixão, nunca deixarei de amar-te.
Desprezastes a ira dos Céus,
Eu, a quem desprezareis, serei vosso Redentor.
Ao pecar … etc.
ADAMO
62. Recitativo
Udii Signor della Divina Idea
Le disposte vicende, e o felice
La colpa mia s’a risarcire il danno
Può meritar, che senda
Dal cielo un Dio per fat d’un’uom l’emenda.
Deh, tutto il germe mio trovi innocente
Il Giudice clemente
Nel giorno in cui cadrà l’orbe distritto,
E goda ogn’un del gran riscatto il frutto.
ADÃO
62. Recitativo
Eu ouvi, Senhor, os acontecimentos vindouros,
e estou feliz de que por vosso divino desígnio,
meu pecado será reparado.
Do Céu, o Filho de Deus descerá
e reparará o dano da humanidade.
Que o Juiz misericordioso,
encontre todos minha descendência inocente.
No dia em que toda terra será consumida
e que cada um colherá o fruto da grande recompensa.
63. Duetto
EVA
Contenti
Presenti
Brillateci in sen
ADAMO
Venture
Future
Beateci il sen
EVA
Se Dio ci promette
Frenar le vendette;
ADAMO
E il mondo, che langue
Sanar col suo sangue
ADAMO, EVA
Dal primo velen
EVA
Contenti
Presenti
Brillateci in sen
ADAMO
Venture
Future
Beateci il sen.
63. Dueto
EVA:
Felizes
presságios
brilham em nossos corações!
ADÃO
O venturoso
futuro
alegra nossos corações.
EVA:
Se Deus nos promete
conter sua vingança!
ADÃO:
Pois o mundo moribundo
lavará com seu sangue
AMBOS:
… o veneno dos primeiros dias
EVA:
Felizes
presságios
brilham em nossos corações!
ADÃO
O venturoso
futuro
alegra nossos corações.

Referências

ALLORTO, Riccardo. Nuovo Dizionario Ricordi della musica e dei musicisti. Milão: Ricordi, 1976.

CANDÉ, Roland de. Os músicos: a vida, a obra, os estilos. São Paulo: Martins Fontes, 1985.

ROBERTSON, Alec; STEVENS, Denis (Orgs.). Historia General de la Música. v. 2: Desde el Renacimiento al Barroco. Madrid: Istmo, 2000.

SMITHER, Howard E. A History of the Oratorio. Chapel Hill: The University of North Carolina Press, 1977. v. 1: The Oratorio in the Baroque Era: Italy, Vienna, Paris Centuries.

+LAUS DEO VIRGINIQUE MATRI+


Notas:

[1] SMITHER, 1977; CANDÉ, 1985, p. 186-187.

[2] SMITHER, 1977; CANDÉ, 1985, p. 186-187. Nas duas longas estadas de Scarlatti em Roma (1702-1708 e 1717-1722), ele estabelece contato com importantes nomes da nobreza romana, tais como a Rainha Cristina (da Suécia), as famílias Pamphilj e Colonna, o Cardeal Pietro Ottoboni, o Marquês (depois Príncipe) Francesco Maria Ruspoli, o Papa Clemente XI e a Rainha da Polônia. (SMITHER, 1977)

[3] CANDÉ, 1985, p. 187.

[4] SMITHER, 1977, tradução nossa.

[5] ALLORTO, 1976, p. 587.

[6] SMITHER, 1977.

[7] SMITHER, 1977.

[8] ROBERTSON, 2000, p. 332.

[9] SMITHER, 1977.

[10] SMITHER, 1977.

[11] SMITHER, 1977.

[12] SMITHER, 1977.

[13] SMITHER, 1977.

[14] SMITHER, 1977.

[15] Texto original em Italiano e versão em espanhol disponível em:

http://www.kareol.es/obras/cancionesascarlatti/cain.htm

Prof. Thiago Plaça Teixeira

O Professor Thiago Plaça Teixeira é Graduado em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal do Paraná, Bacharel em Piano pela Escola de Música e Belas Artes do Paraná, Mestre e Doutor em Música pela Universidade Federal do Paraná. Foi premiado em concursos de piano e atuou com diversos instrumentistas, cantores e grupos corais em concertos, óperas, festivais e séries de música de câmara. Trabalhou em instituições de ensino superior no Paraná ministrando disciplinas teóricas e práticas. Como pesquisador, direciona seus estudos à música sacra católica, área em que também tem experiência prática atuando como organista.

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