O Oratório Barroco: Alessandro Scarlatti (1660-1725)
Em outros artigos já tratamos de assuntos referentes ao desenvolvimento do Oratório católico no período barroco. Vimos já dois importantes compositores da época, Giacomo Carissimi (1605-1674) e Alessandro Stradella (1643-1682), além da produção musical no famoso “Oratorio del Santissimo Crocifisso”, em Roma, e do único oratório italiano composto por Joseph Haydn (1732-1809): “Il ritorno di Tobia”. No presente artigo continuamos o estudo de tal importante gênero musical. Trataremos de Alessandro Scarlatti (1660-1725).
1. O COMPOSITOR
Alessandro Scarlatti nasceu em Palermo (Itália) em 1660, sendo o mais velho de sete irmãos. Foi a Roma ainda criança e lá residiu até 1683. Provavelmente em Roma foi aluno de F. Foggia (1603-1688) e B. Pasquini (1637-1710). Casou-se em 1678 e no ano seguinte apresentou sua primeira ópera, Gli Equivoci nel Sembiante, no teatro do Collegio Clementino, em Roma. Em seguida é nomeado maestro di cappella privado da Rainha Cristina da Suécia em Roma e até 1683 foi também maestro di cappella em San Girolamo della Carità. Em 1683, Scarlatti parte para Nápoles e lá permanece por vinte anos, atuando como maestro di cappella da capela real. Torna-se rapidamente o músico da moda entre a aristocracia napolitana, compondo várias cantatas, e óperas. [1]
Em 1703 ele retorna a Roma e é nesse novo período em que ele se dedicará grandemente aos oratórios e às cantatas de câmara. Era um período em que havia oposição eclesiástica ao teatro, o que limitava as atividades operísticas. Scarlatti aceita, então, os cargos de secondo Maestro da Igreja de Santa Maria Maior e de mestre da música privada do Cardeal Ottoboni. Em 1706-7, Scarlatti visita Veneza, onde tentou se estabelecer, mas entre 1707 e 1717 estará novamente assumindo suas funções em Nápoles. Entre 1717 e 1722 fica a maior parte do tempo em Roma, onde apresenta suas últimas óperas. Retorna a Nápoles, onde morre em 1725, sendo sepultado na Igreja de Montesanto. [2]
2. OBRA
Alessandro Scarlatti compôs cerca de 115 óperas, quase todas sérias. De aproximadamente 70 delas foi encontrada a partitura completa, ou árias separadas, ou mesmo só o libreto. Escreveu ainda cerca de 30 oratórios; 60 motetos; 10 missas; mais de 600 cantatas de câmara; 21 serenatas ou cantatas de circunstância; 12 Sinfonie di concerto grosso; Sonate a quattro (quarteto de cordas); 2 suítes para flauta e cravo; sonatas para 1, 2, 3 flautas e baixo contínuo; e algumas obras teóricas.
Na fase entre os 25 e os 40 anos de idade, Scarlatti aperfeiçoou vários elementos musicais importantes: (1) a forma da aria da capo (A-B-A), que acabou sendo adotada como tipo único de ária de ópera; (2) a chamada abertura “italiana”; e (3) o gênero da cantata de câmara. Nos últimos 25 anos escreveu suas principais obras-primas em praticamente todos os gêneros. Entre as óperas destacam-se Mitridate Eupatore, Figrane, Cambise, Griselda e Il Trionfo dell’Onore. [3]
3. OS ORATÓRIOS
Os oratórios de Scarlatti foram escritos entre 1683 e 1720 e bem refletem o desenvolvimento de tal gênero musical nesse período. Os textos utilizados como libretos eram baseados principalmente em hagiografia (vidas de Santos) e na Sagrada Escritura (Bíblia).
Scarlatti há muito é considerado o fundador da escola napolitana de ópera, que era essencialmente pré-clássica em seu estilo musical; no entanto, pesquisas de meados do século XX mostraram que ele é em muitos aspectos mais romano do que napolitano e seu estilo mais próximo do barroco tardio do que do período pré-clássico. Mais conhecido por suas cantatas de câmara e óperas, Scarlatti também é extremamente importante por seus oratórios; ele compôs mais de trinta, pelo menos vinte e três dos quais ainda existem. Como compositor de oratórios, ele deve ser considerado uma parte importante da cena romana, pois mais de dois terços de seus oratórios foram compostos para patronos romanos. [4]
Eis alguns exemplos de oratórios compostos por Scarlatti: Passio secundum Ioannem (1680 c.), Ismaele esiliato (1683), Il martirio di Santa Teodosia (1685), Il trionfo della gratia (1693), Ismaele soccorso dall’angelo (1695), Giuditta (1695), Cantata per la notte di Natale (1695), Samson vindicatus (1696), Il martirio di S. Orsola (1700 c.), Davidis pugna et victoria (1700), Il Sacrificio d’Abramo (1703), L’Assunzione della beatissima Vergine (1703), S. Casimiro re di Polonia (1705), Pastorale per la Natività del Bambino Gesú (1705), La Santissima Vergine del Rosario (1705 c.), Caino overo Il primo omicidio (1706), Il Sedecia (1706), La Passione di Nostro Signore (1708), Il martirio di S. Cecilia (1708), Il trionfo del valore (1709), La Santissima Annunciata (1710 c.), La Santissima Trinità (1715), La Vergine addolorata (1717), La gloriosa gara tra la Santità e la Sapienza (1720). [5]
4. ESTILO MUSICAL
Fase inicial
Os primeiros oratórios de Scarlatti, tais como Agar et Ismaele esiliati (1683) e La Giuditta (1695), representam um tipo de libreto e de música mais característicos do século XVII: relação flexível entre trechos de recitativo, arioso e ária; árias em forma estrófica ou binárias (raramente ABA ou ABA’); e árias geralmente acompanhadas só por baixo contínuo, algumas unificadas por baixo ostinato. [6]
Fases intermediária e tardia
No período intermediário, entre 1696 e 1708, com obras como Il primo omicidio (1707), aparecem as tendências do barroco tardio que se desenvolverão ainda mais nos oratórios compostos após 1708, tais como Oratorio per la Santíssima Trinità (1715) e La vergine addolorata (1717). No período intermediário e tardio a ária da capo se torna fundamental, praticamente sendo excluídas as outras formas de ária. O baixo ostinato é raramente utilizado e a alternância regular de recitativo e ária se torna normativa. Também se tornam comuns as árias acompanhadas por orquestra e o uso eventual de recitativo acompanhado (acordes sustentados nas cordas).
Em geral, Scarlatti não utiliza coro ou inclui apenas breves passagens corais que podem ser cantadas como um conjunto dos próprio solistas. A exceção é o Oratório Davidis pugna et victoria, apresentado no Oratorio del Santissimo Crocifisso (Roma) em 1700, exigindo 5 solistas (SSATB) e um coro duplo separado (SATB-SATB). Essa obra é considerada antiquada para a época, pois ainda apresenta testo, árias com baixo ostinato e árias estróficas. [7]
Influência da Ópera
Muitos dos recursos formais e expressivos que apareciam nas óperas de Scarlatti também foram utilizados em seus oratórios. Mesmo sua música estritamente litúrgica também apresenta tanto o stile antico, aos moldes da antiga polifonia clássica, como também a forma de Misa Cantata, já com elementos operísticos.
A pouca importância dada ao coro juntamente com a crescente atenção dada ao esplendor vocal e à exploração dramática dos efeitos orquestrais apontam para uma grande proximidade estilística da ópera com o oratório barroco. O estilo musical semelhante, apesar da temática bastante distinta, indica o uso do oratório como música operística para os dias penitenciais da Quaresma. Ou seja, ouvia-se formas musicais já apreciadas nas óperas, mas adequava-se a temática. No Oratório da Assunção, por exemplo, Scarlatti o encerra com um dueto em ritmo de siciliana, entre a Noiva e o Noivo celestiais, o que, em termos musicais, era facilmente empregado também em cenas amorosas de uma ópera convencional do século XVIII. [8]
4. ORATÓRIO IL PRIMO OMICIDIO
Vozes
Os oratórios maduros de Scarlatti são bem representados em Il primo omicidio, apresentado em Veneza, em 1707, e depois novamente em Roma, em 1710. Esse Oratório é escrito para 6 vozes:
- Eva (Soprano)
- Abel e Voz de Abel depois da morte (Soprano)
- Caim (Contralto)
- Voz de Deus (Contralto)
- Adão (Tenor)
- Voz de Lúcifer (Baixo)
Não há coro e eventualmente as partes solos se combinam em duetos. Orquestra de cordas é em 5 ou 6 partes e alguns números incluem 1 ou 2 violinos. [9]
Libreto
O libreto de Il primo omicidio é anônimo, dividido em duas partes e baseado em Gn IV, 1-16. Apresenta um embate central entre o assassino, invejoso e cheio de remorso Caim, aconselhado por Lúcifer; e a família de Caim temente a Deus, juntamente com a Voz de Deus.
Parte 1
Inicia-se com as reflexões penitenciais de Adão e Eva após o pecado original, seguidas pela expressão do desejo de Caim e Abel, seus filhos, de oferecerem um sacrifício para aplacar a ira de Deus. A inveja de Caim se revela quando a Voz de Deus elogia o sacrifício de Abel, mas não aceita o de Caim. Então Lúcifer aconselha Caim a assassinar seu irmão Abel.
Parte 2
Enquanto Caim e Abel estão descansando sob a sombra de uma árvore, Caim ataca o irmão e comete, assim, o primeiro assassinato da história humana. A Voz de Deus pergunta por Abel e Caim diz que nada sabe, sendo então condenado a vagar no exílio e lamentar seu destino. A Voz de Abel fala a seus pais, Adão e Eva, sobre sua morte e sobre sua felicidade com Deus. Adão e Eva lamentam a ausência dos dois filhos, mas em um dueto final antecipam alegremente a salvação dos homens pelo Sangue de Cristo. [10]
Números musicais
Árias e duetos
O Oratório possui ao todo 22 árias: 6 de Caim, 4 de Adão, 4 da Voz de Deus, 3 de Eva, 2 de Abel, 2 da Voz de Lúcifer e 1 da Voz de Abel após a morte. Possui ainda 5 duetos e 4 recitativos acompanhados. Com exceção de três delas, todas as árias são acompanhadas por orquestra. Aproximadamente metade das árias e duetos empregam começo com motto. A ampla maioria dos números musicais está escrito em compasso binário e a média de extensão é de 65 compassos. As passagens melismáticas geralmente representam uma ênfase em palavras importantes, mas raramente ultrapassam dois ou três compassos, não chegando a configurar um estilo elaborado de coloratura (ver Exemplos 01 e 02). [11]
Afetos e estilos
As ária e os duetos do Oratório geralmente expressam um único afeto, mas algumas empregam uma seção contrastante no meio. Há grande variedade de afetos e estilos, tais como:
- Siciliano: Ária Dalla mandra, Abel (reflexão para escolher a melhor ovelha de seu rebanho para oferecer a Deus); Ária Madre tenera, Eva (lamento pelos filhos);
- Adagio, lento ou grave – melancolia: Ária Sommo Dio, Eva (pedido a Deus para que tenha misericórdia de seus filhos; progressão cromática em mio peccato, sexta napolitana em habbi pietà, melisma em pietà, movimento rítmico parecido ao de sarabanda);
- Padrões rítmicos fortemente marcados, vigorosos e tempos moderato-para-rápido: Ária Mi balena, Adão (angústia pela expulsão do paraíso); Ária Poche lagrime, Lúcifer (cinismo); Ária Vuo il castigo, Voz de Deus (castigo de Caim); Mascheratevi o miei sdegni, Caim (inveja, engano e ira) (ver Exemplo 03).
- Tempos moderato-rápido – afetos alegres: Dueto La fraterna amica, Caim e Abel (dueto e amor fraterno, com seção central contrastante – expressão de sede de vingança de Caim); Ária No, non piangete, Voz de Abel (para que os pais não lamentem); Dueto Contenti presenti, Adão e Eva (giga animada – futura Salvação). [12]
Recitativos
Os recitativos simples (apenas com acompanhamento do baixo contínuo) raramente chegam ao arioso, que era comum no século XVII e só dois deles são em breve estilo de ária. Os recitativos acompanhados são quatro, todos cantados pela Voz de Deus, não diferindo significativamente no estilo vocal dos recitativos simples e sendo todos acompanhados por quatro cordas (acordes sustentados). [13]
Números instrumentais
O número instrumental de abertura (Introduzione all’oratorio) parece um concerto para violino solo em miniatura, com quatro partes de cordas e baixo contínuo (3 movimentos: spirituoso, adagio e allegro), alternância entre violino e demais cordas e um final na forma de giga. Ao longo do Oratório há ainda cinco outros números puramente instrumentais. São todos breves e têm a função de estabelecer um afeto ou imitar um evento (Ex: retrato dos golpes dados por Caim).
O estilo de concerto, em que um ou dois violinos contrastam com a orquestra, é usado em um número instrumental interno e em quatro acompanhamentos vocais. Há ainda outro elemento característico de textura musical barroca: cordas em uníssono mais baixo contínuo, ocorrendo em nove árias e dois duetos. [14]
5. TRADUÇÃO DO LIBRETO
Indico a seguir, como fechamento do presente artigo, uma tradução [15] minha para o libreto completo do Oratório Il primo omicidio de Alessandro Scarlatti. Para apreciação de óperas e oratórios é conveniente sempre ter o libreto em mãos. Em um próximo artigo tratarei dos oratórios de Antonio Vivaldi (1678-1741).
Nos cum prole pia – benedicat Virgo Maria.
PRIMA PARTE 1.- Spiritoso 2.- Adagio 3.- Allegro | PRIMEIRA PARTE 1.- Spiritoso 2.- Adagio 3.- Allegro |
ADAMO 4. Recitativo Figli miseri figli Miseri perchè miei Sol per mia colpa rei Il mio tardo rimorso or vi consigli. Figli miseri figli Eva troppo credesti, io troppo amai Mi porgesti, io gustai E perdei crudo padre, incauto sposo Grazia, vita e riposo | ADÃO 4. Recitativo Meus filhos, meus pobres filhos! Pobres, porque sendo meus filhos estão condenados pelo meu pecado. Meu tardio remorso pode servir de exemplo! Meus filhos, meus pobres filhos! Eva, foste muito ingênua e te amava muito. Tu o ofereceste e eu o provei … e perdi, Cruel pai, incauto esposo, Graça, vida e repouso. |
5. Aria Mi balena ancor sul ciglio Quella spada fulminante, Che dal Ciel mi discacciò Io vi trassi nel periglio; Ma dall’ira del Tonante Poi difendervi non sò. Mi balena ancor sul cigli … | 5. Ária Ainda queima nas minhas pálpebras aquela espada fulminante que me expulsou do paraíso. Eu me expus ao perigo mas da ira de Deus não sabia como me defender. Ainda arde nas minhas pálpebras … |
EVA 6. Recitativo Di Serpe ingannator perfida frode Fé veder quanto possa In cor di donna ambiziosa lode; Io sola, io sola ho scossa La tua costanza, e ben che in Ciel sia scritto Il castigo per tutti, è mio il delitto. | EVA 6. Recitativo Uma serpente fraudulenta, pérfida e enganadora me ensinou o que consegue alcançar a adulação no coração de uma mulher ambiciosa. Fui eu, somente eu quem quebrou tua fidelidade; e ainda que no Paraíso esteja escrito que o castigo será para todos, o delito é unicamente meu. |
7. Aria Caro sposo, prole amata. Toleriam la giusta pena, Voi di Re fatti bifolchi Di sudor bagnate I solchi Ch’io ne’ parti tormentata Non grodò vita serena Caro sposo, prole amata … | 7. Ária Querido esposo, amados filhos, tende sempre em mente a justa punição! De rainha, tornei-me lavradora, que com o suor da testa rega os sulcos. Estou só, atormentada, Nunca mais terei paz na vida. Querido esposo, amados filhos … |
ABELE 8. Recitativo Genitori adorati Tanto non v’affliggete; è Dio pietoso, E quant’odia i peccati, Tant’ama il pentimento; io sperar oso, (Ancor che sia del Divin guardo indegno) Ch’il sacrificio mio planchi il suo sdegno | ABEL 8. Recitativo Amados pais Não vos aflijais tanto; Deus é piedoso E por muito que odeie o pecado, Ama mais o arrependimento; eu ouso esperar que, ainda que não seja eu digno de Seu divino olhar, meu sacrifício aplaque Sua ira. |
9. Aria Dalla mandra un puro agnello Il più candido, il più bello Per svenargli io sceglierò, E d’incenso, e mirra eletta Arderà fiamma perfetta Col mio cor, che gl’offrirò. Dalla mandra un puro agnello … | 9. Ária Do rebanho um puro cordeiro, o mais alvo, o mais belo, escolherei para sacrificá-lo. Com o melhor incenso e melhor mirra arderá uma chama perfeita, e meu coração oferecerei junto com eles. Do rebanho um puro cordeiro … |
CAINO 10. Recitativo Padre questa d’Abel forz’è che sia O superbia, o follia Ei mi nacque secondo, e a me s’aspetta Placar del Ciel l’orribile vendetta. | CAIM 10. Recitativo Pai, essas palavras de Abel, são de orgulho ou de loucura. Ele é o mais novo, e a mim me corresponde o dever de apaziguar a terrível vingança do Céu. |
11. Aria Della Terra i frutti primi, Io rigai col sudor mio, E fian doni più sublimi, Più graditi al Sommo Dio. Della Terra … ecc. | 11. Ária O fruto primeiro da Terra, regarei com meu suor, será a mais sublime das oferendas e a mais agradável ao Sumo Deus. O fruto primeiro … etc. |
ADAMO 12. Recitativo Figli cessin le gare; in voi comprendo Egual cura, egual zelo D’esser graditi al Cielo; Ambi sacrificate; Il frutto attendo De’ vostri voti; onde L’omaggio offerto Accolga il Nume, a ve l’ascriva a merto. | ADÁN 12. Recitativo Filhos, cessai a disputa! Pelo que sei, com iguais dedicação e zelo esperais encontrar a graça do Céu. Realizai o sacrifício, e esperai o resultado. Os votos e homenagens que oferecerdes ao Céu, Deus os aceitará e vos recompensará por eles. |
13. Aria Più del doni il cor devoto Brama in dono L’amoroso Creator, Et è un anima dolente L’olocausto più possente Per placar il suo furor. Più dei doni … ecc. | 13. Ária Mais do que oferendas, é um coração devoto o que deseja receber o Criador amoroso. Uma alma arrependida é o holocausto mais poderoso para aplacar sua ira. Mais do que oferendas … etc. |
EVA 14. Recitativo Disposto o figli è il sacrificio; accosti Ogn’un la face al proprio rogo. Oh come Serpe tra que’ composti Ligni la sacra fiamma, e l’auree chiome Tra que ‘ fumi odorati Il Sole è un ombra. Che dove Dio risplende Il Sole è un ombra. | EVA 14. Recitativo O sacrifício, ó filhos, já está preparado; ide à pira! Oh, a chama sagrada surge como uma serpente, através da lenha e das coroas de cabelos dourados! A fumaça perfumada escurece o sol, pois onde Deus brilha, o sol é apenas uma sombra. |
15. Aria Sommo Dio nel mio peccato De’ miei figli abbi pietà. Sin che cresca il sacro legno Che scegliesti al gran disegno Dell’Agnel sacrificato Per la nostra libertà. Sommo Dio … ecc | 15. Ária Sumo Deus, meu pecado não castigueis em meus filhos. Até que cresça o sagrado lenho com o qual se realizará o sacrifício do Cordeiro para nossa redenção. Sumo Deus … etc. |
16. Recitativo ABELE Miei Genitori, oh come dritta ascende La mia fiamma alle sfere, e qual risplende! CAINO La mia d’arder ricusa, e s’alza obliqua Densa, e caliginosa. Oh sorte iniqua! | 16. Recitativo ABEL Meus pais, oh, como se elevam as chamas para o alto, até às estrelas, e com que fulgor brilham! CAIM Minhas chamas se recusam a arder, nascem oblíquas, espessas e negras. Oh, destino injusto! |
17. Duetto ABELE Dio pietoso ogni mio armento A tua gloria io vuò svenar. CAINO (fra sè) Io di sdegno arder mi sento, E mi voglio vendicar. ABELE Del tuo guardo io non son degno, CAINO (fra sè) Tu morrai fratello indegno. ABELE E ti vuò sempre adorar. CAINO (fra sè) Non ti posso sopportar. ABELE Dio pietoso … ecc. | 17. Dueto ABEL Deus misericordioso, quero sacrificar todo meu rebanho à vossa glória! CAIM (à parte) De indignação me sinto arder. Desejo vingar-me! ABEL Eu não sou digno de vosso olhar. CAIM (à parte) Vais morrer, irmão indigno! ABEL Adorar-Vos-ei para sempre. CAIM (à parte) Não te posso suportar! ABEL Deus misericordioso … etc. |
18. Recitativo ADAMO Figli balena il Ciel d’alto splendore, Quest’è luce immortal del mio Signore. EVA Prostrato ogn’un adori il sacro lume, E ascolti umil ciò, che comanda il Nume. | 18. Recitativo ADÃO Filhos, o Céu brilha com maravilhoso esplendor, é a luz imortal de meu Senhor. EVA De joelhos adoremos todos à luz sagrada, e humildemente escutemos o que Deus ordena. |
19. Sinfonia | 19. Sinfonia |
VOCE DI DIO 20. Recitativo Prima immagine mia, prima fattura Del braccio Onnipotente, Mortal per legge, di mortal natura, E per l’alma immortal da nostre esente, Il tuo Dio che risente L’oltraggio, ond’a punirti armò la destra Decretò di salvarti; or t’ammaestra | VOZ DE DIOS 20. Recitativo Primeira imagem minha, primeira criatura, saída da mão onipotente, Mortal por decreto, mortal por natureza. e pela alma imortal, isento de morte. Teu Deus, a quem ofendeste, castigou-te com a arma de sua mão direita. Entretanto, decidido ainda a salvar-te, diz-te: |
21. Aria L’olocausto de tu Abelle Giunse al Ciel, passò le stelle, En il cor mi penetrò; Più del rogo ardeagli in petto Fiamma umil di puro affetto, Ch’a gradirlo mi alletto, L’olocausto … ecc. | 21. Ária Teu sacrifício, Abel, foi elevado ao céu, até mais além das estrelas e penetrou profundamente em meu coração. As chamas arderam em meu peito, chamas de amor, humilde e puro, que me inclinaram a aceitá-lo. Teu sacrifício … etc. |
22. Recitativo Ne’ tuoi figli, e nipoti Sveglia sensi devoti, Instilla in lor del Divin culto il zelo, Che ben si può far violenza al Cielo. | 22. Recitativo Em teus filhos e netos desperta sentimentos piedosos. Inculca em seus corações o zelo do culto divino, que bem pode fazer violência ao Céu. |
23. Recitativo EVA Udiste, udiste, o figli I Divini consigli? ADAMO Del Creatore i detti Consigli non son già, ma son precetti. | 23. Recitativo EVA Ouvistes, ouvistes, ó meus filhos? São os conselhos de Deus! ADÃO As palavras do Criador não são simples conselhos, são leis. |
24. Duetto EVA Aderite ADAMO Obbedite EVA, ADAMO O figli miei ADAMO Al piacer EVA Al voler EVA, ADAMO Del mio Signore Perché al fin se no’l farete Resterete ADAMO Senza il Cielo, perché rei, Senza il mondo, se si more. Aderite … ecc | 24. Dueto EVA Inclinai-vos! ADÃO Obedecei! AMBOS Oh, meus filhos ADÃO É o desejo EVA: É a vontade AMBOS de Nosso Senhor Porque se não o fizerdes Ficareis ADÃO Sem o Céu, porque culpados, Sem o mundo, se morrerem. Inclinai-vos … etc. |
25. Sinfonia | 25. Sinfonia |
VOCE DI LUCIFERO 26. Recitativo Cain, che fai, che pensi? Anima vile De tuoi scorni t’appaghi, e ti compiaci, Soffri l’oltraggio, e taci? Sei pur del Re del Mondo Primogenita prole? E chi nacque secondo Già ti medita al piè nodo servile; Il Ciel, che ti prescelse, il Ciel t’esclude, Dunque il Ciel ti delude; Sprezzalo, s’ei ti sprezza, uccide Abelle Morto ch’ei sia, che ti faran le stelle? | VOZ DE LÚCIFER 26. Recitativo Caim, o que fazes? O que pensas? Alma covarde Tu suportas resignado tua desgraça, alegra-te nela; insultam a ti e te calas? Não és porventura o primogênito do Rei do Mundo: Ele, que nasceu depois, pensa em te escravizar a seus pés. O Céu, que te escolheu, agora te exclui, Assim o Céu burla de ti; Despreza-o, se te despreza, mata Abel! Morto ele, que dano te podem fazer a estrelas? |
27. Aria Porche lagrime dolenti Su l’estinta amata prole Spargeranno i genitor; Mas poi solo, come il sole Saran tuoi tutti gl’armenti, Sarà tuo tutto l’amor Porche lagrime… ecc. | 27. Ária Teus pais derramarão lágrimas de tristeza pelo filho amado que já não existe. Entretanto, tu serás o único, como o sol. Pertencerão a ti todos os rebanhos, e teu será todo o amor. Teus pais … etc. |
CAINO 28. Recitativo D’ucciderlo risolvo; il core affretta La destra impaziente alla vendetta. | CAIM 28. Recitativo Decidi matá-lo, meu coração o deseja. Minha destra está impaciente por vigança. |
29. Aria Mascheratevi o miei sdegni Con le spoglie dell’amore, Pur ch’io giunga ai miei disegni M’odii il padre, e Dio mi sdegni Fratricida, e traditor. Mascheratevi … ecc | 29. Ária Ocultarei meu ódio sob a máscara do amor. Meu pai me odeia, e Deus me despreza, ainda que tenha êxito em meus objetivos. Fratricida e traidor! Ocultarei … etc. |
30. Recitativo CAINO Ecco il fratello; anzi il nemico. Abelle Viddi gl’armenti tuoi, Viddi gl’agnelli, e i buoi; Vientene, io pur desio, Che tu vegga nel campo L’opre del sudor mio. ABELE Andiam mio caro, oh qual noioso inciampo Quasi cader mi fé Nel seguir il tuo piè; Per il calle a me ignoto or tu mi guida, Che non v’è d’un fratel scorta più fida. | 30. Recitativo CAIM Eis aqui meu irmão, ou melhor, o inimigo, Abel. Vi suas ovelhas, seus cordeiros e todo seu gado; Eu os desejo! Venha ver meus campos, venha a ver o fruto de meu trabalho. ABEL Vamos, caro irmão, oh, quase tropeço em um obstáculo molesto! Sigo teus passos, mas me conduzes por caminhos que não conheço. Contudo, não há guia mais seguro do que um irmão. |
31. Duetto ABELE, CAINO La fraterna amica pace Grata è al mondo, e a Dio diletta; CAINO (fra sè) A chi è offeso oh quanto piace Poter far la sua vendetta; | 31. Dueto ABEL, CAIM A fraterna e amiga paz agradam ao mundo e a deleitam a Deus! CAIN (à parte) A quem foi ofendido, quanto agrada poder fazer vingança! |
32. Recitativo ABELE Sempre l’amor fraterno è un ben sincero, CAINO (fra sè) Ogn’un dice così, ma non è vero. | 32. Recitativo ABEL O amor fraterno, é sempre um amor sincero. CAÍM (à parte) Todo mundo diz isso, mas não é certo. |
SECONDA PARTE CAINO 33. Recitativo Fermiam qui Abelle il passo, T’assidi su quel sasso, E all’ombra di que’mirti, Di quel ruscello accanto Posiam per poco a ristorar gli spirti, E la stanchezza a riparar col canto | SEGUNDA PARTE CAIM 33. Recitativo Detenhamo-nos aqui, Abel. Senta-te nesta pedra, e sob a sombra das murtas. Ao lado desta torrente que flui a nosso lado, poderemos por um tempo descansar nossos espíritos e mitigar o cansaço, entoando cantos. |
34. Aria Perché mormora il ruscello, Perché s’agita la fronda, Quando un sasso, o un venticello Scuote un ramo, o increspa un’onda? Perchè … ecc | 34. Ária Por que murmura a torrente? Por que sussurram as folhas? Pode uma pedra ou uma leve brisa agitar um galho ou produzir uma onda? Por que … etc. |
ABELE 35. Aria Ti risponde il ruscelletto, Che nel povero suo letto Brama placido posar; Ti rispondono I virgulti, Che lontani dai tumulti Braman lieti verdeggiar. Ti risponde … ecc. | ABEL 35. Ária O arroio te responde que em seu simples leito ele deseja repousar. Os galhos te respondem que, longes do tumulto, desejam felizmente brotar. O arroio … etc. |
36. Recitativo Or se braman posar la fronde, e’l rio, Tra la fronda, e il ruscel riposo anch’io. | 36. Recitativo Se as folhas e o arroio desejam descanso, entre as folhas e o arroio eu também quero repousar. |
37. Recitativo CAINO Più non so trattener l’impeto interno; Dormi, se dorme brami un sonno eterno. ABELE Soccorso oh Dio! CAINO Dio n’è lontano. ABELE Imploro la tua pietà. CAINO Replico il colpo. ABELE Io moro. | 37. Recitativo CAIM Não posso mais suportar este impulso em meu peito: dorme, se queres dormir, um sono eterno. ABEL Socorro! Oh, Deus! CAIM Deus está longe. ABEL Imploro tua piedade. CAIM Golpeio-te outra vez. ABEL Eu morro. |
38. Sinfonia | 38. Sinfonia |
39. Recitativo VOCE DI DIO Cain dov’è il fratello? Abel dov’è? CAINO No’l so Signor; forse del fratel mio Il custode son io? VOCE DI DIO Che mai facesti? Il sangue Del tuo german sin dalla terra esclama; Quel cadavere esangue Maledetto ti chiama; Or di strage fraterna il suolo asperso Per te inutil bifolco Negherà sempre avverso, Che germe alcun più ti produca il solco, Disperato, e solingo Aborrito da tutti andrai ramingo | 39. Recitativo VOZ DE DIOS Caim, onde está teu irmão? Onde está Abel? CAIM Não sei, Senhor; por acaso sou eu o guardião de meu irmão? VOZ DE DEUS O que fizeste? O sangue de teu irmão clama desde a terra. Seu corpo ensanguentado te chama maldito. A terra encharcada com o sangue de teu irmão para ti, inútil agricultor, será sempre hostil. Nenhuma semente crescerá em seus sulcos. Desesperado e sozinho, odiado por todos, serás peregrino e errante sobre a terra. |
40. Aria Come mostro spaventevole Da te ogn’uno fuggirà, E qual furia abominevole Sempre il Ciel t’aborrirà. Come … ecc. | 40. Ária Como de um monstro aterrador, de ti todos fugirão, E como uma fúria abominável, o Céu sempre te aborrecerá. Como … etc. |
CAINO 41. Recitativo Signor se mi dai bando, E dal tuo aspetto e dalla Terra, in pena Del grave error, ch’il tuo perdon non merta Andrò per poco errando; Ecco ch’ogn’un mi svena, E la mia vita ad ogni passo è incerta. | CAIM 41. Recitativo Senhor, se Vós me desterrais de vosso rosto e da terra, como castigo por meu grave crime, que não merece vosso perdão, eu não poderia ir muito longe, pois todos procurariam matar-me e a cada passo se veria ameaçada minha vida. |
42. Aria O preservami per mia pena, O mi fulmina per pietà; Il timor mi rende ardito, Quindi merto esser punito Per l’ardir, per la viltà. O preservami … ecc. | 42. Ária Ou preservai-me por meu castigo, ou fulminai-me por piedade; O medo me dá forças, Por isso mereço ser punido pela minha audácia e vileza. Ou preservai-me … etc. |
VOCE DI DIO 43. Recitativo Vattene non temer; tu non morrai; Nella tua fronte impresa Il mio commando avrai, Né ad alcun fia permesso Di farti insulto; E chi sarà l’ardito Sette volte di più sarà punito. | VOZ DE DEUS 43. Recitativo Siga teu caminho sem temor, não morrerás. Em tua fronte imprimirei minha ordem: que não se permita fazer-te dano, e o que tentar, deverá sofrer um castigo sete vezes pior que o teu. |
44. Aria Vuò il castigo, non voglio la morte, Che la vita tua pena sarà, Del morire la pene son corte; Ma il rimorso un inferno si fa. Vuò … ecc. | 44. Ária Teu castigo não será a morte, que a vida te seja o castigo. Se morresses, a pena seria muito curta. O remorso será para ti um inferno. Teu castigo … etc. |
CAINO 45. Recitativo O ch’io mora vivendo, O ch’io viva morendo, Non cangia tempre il mio destin spietato, Che non sa d’esser vivo un disperato. | CAIM 45. Recitativo Seja morrer vivendo ou viver morrendo, nada mudará em meu destino miserável, pois o que está desesperado não sabe que vive. |
46. Aria Bramo infieme, e morte, e vita, Nè sò dir ciò, che vorrei; Colpa mia ne fei punita Hor, ch’il Mondo, e Dio perdei? Bramo … ecc. | 46. Ária Seja a morte, seja a vida, não sei o que é melhor. Meu crime foi castigado e perdi o mundo e a Deus. Seja … etc. |
VOCE DI LUCIFERO 47. Sinfonia e Recitativo Codardo nell’ardire, e nel timore Disperato Cain dove’è il tuo core? Tu primo figlio, e caro Del prim’uom della Terra, Tu primiero omicida, Primo ad espor l’immagine di guerra, Tu primo traditore, e fratricida, E se a morir sarai secondo, il fato Ti destina (se vuoi) primo dannato. | VOZ DE LÚCIFER 47. Sinfonia e Recitativo Covarde na audácia, e no medo, desesperado Caim, onde está teu valor? Tu, o primogênito do primeiro homem da terra. Tu, o primeiro homicida, o primeiro em mostrar a imagem da violência. Tu, o primeiro traidor e fratricida, se deves ser o segundo em morrer, o destino te elege para ser o primeiro dos condenados. |
48. Aria Nel poter Il Nume imita; E col Ciel pugna da forte; S’ei diè legge alla tua vita, Tu comanda alla tua morte. Nel poter … ecc. | 48. Ária Imitar a Deus em seu poder e lutar ferozmente contra o Céu. Ele te deu uma lei que quebraste e consequentemente, Ele ordenou tua morte. Imitar … etc. |
CAINO 49. Recitativo Oh consigli d’Inferno, onde soggiace D’Adam la prole al memorando esilio, Tradiste il padre, ed or tentate il figlio? Senza Dio, senza pace Ramingo andrò; ma non vuò farmi adesso Reo d’un fratello ucciso, e di me stesso. | CAIM 49. Recitativo Oh, infernal conselho, que sujeitaste prole de Adão a perenal exílio, Traíste o pai, e agora tentais o filho? Sem Deus, sem paz vagarei sem rumo; sou agora culpado de um irmão assassinado, e de mim mesmo. |
50. Aria Miei genitori addio, Più non vi rivedrò, Due figli oggi piangete, L’uno per me perdete, L’altro perchè peccò. Miei … ecc. | 50. Ária Adeus, meus pais, já não os voltarei a ver! Dois filhos tereis que hoje chorar. Um deles perdido por culpa minha, o outro porque pecou. Adeus … etc. |
51. Duetto EVA Mio sposo al cor mi sento Incognito dolor. ADAMO Consorte il tuo tormento Riflette nel mio cor; EVA Son lunge i nostri figli Di lor, che mai sarà? ADAMO Da mali, e da perigli Il Ciel gli salverà; EVA E pur la doglia mia Cresce, né so perché, ADAMO Cresce, e forz’è che sia EVA De’ figli il grand’ amor. Mio Sposo … ecc. | 51. Dueto EVA Esposo, sinto em meu coração uma estranha dor. ADÃO Querida esposa, teu tormento se reflete em meu próprio coração. EVA Nossos filhos estão longe. Que será deles? ADÃO De todos os males e perigos o Céu os protegerá. EVA E, contudo, minha dor aumenta cada vez mais, e não sei a razão. ADÃO Cresce tanto como … EVA … o amor por nossos filhos. Esposo … etc. |
52. Aria VOCE D’ABELE Miei genitori amati. ADAMO, EVA Quest’è voce d’Abel; ma Abel dov’è? VOCE D’ABELE Miei genitori amati Abel son io, Morto a voi, vivo a Dio, Dall’invido germano Fui tradito, et ucciso; Erra quell’inumano Per decreto del Ciel da voi diviso; Ma non morrà, che no’l consente il Nume; Io d’amor su le piume Miei cari a voi ne vengo, E vi consolo e a quella Pace in cui v’attendo Io volo. | 52. Ária VOZ DE ABEL: Amados pais! ADÃO, EVA: Essa é a voz de Abel; mas onde está Abel? VOZ DE ABEL: Meus queridos pais, sou eu, Abel. Morto para vós, vivo para Deus. Pelo irmão invejoso fui traído e morto. Agora o desumano vagueia errante longe de vós, por decreto do Céu. Mas ele não morrerá, pois assim Deus decretou. Eu, nas asas do amor, meus pais queridos, a vós venho, E vos consolo e àquela paz em que vos espero eu voo. |
53. Aria Non piangete il figlio ucciso, Vi sollievi il mio conforto, Per me certo è il Paradiso, Più del vivo è salvo il morto. Non … ecc. | 53. Ária Não choreis pelo filho assassinado. Que vos conforte meu atual estado. Para mim o Paraíso é certo, mais que o vivo, é salvo o morto. Não choreis … etc. |
EVA 54. Recitativo Ferma del figlio mio voce gradita, Tu mi lusinghi, e fai, Ch’io speri ancor, ch’ei si conservi in vita; Ma, ch’io cessi giammai Di sospirar per i perduti figli Nulla Il tempo potrà, nulla i consigli. | EVA 54. Recitativo Cala-te, voz de meu filho amado, confundes a mim e me fazes crer que ainda estás vivo. Nunca deixarei de suspirar por meus filhos perdidos. Nada pode fazer o tempo, nem os sábios conselhos. |
55. Aria Madre tenera, et amante Per entrambi ho molle il viso, Piango l’uno, perché è errante, Piango l’altro, perché è ucciso. Madre … ecc. | 55. Ária Como mãe terna e amorosa, por ambos o meu rosto está banhado em lágrimas. Choro por um porque está perdido, choro por outro porque foi morto. Como … etc. |
ADAMO 56. Recitativo Sin che spoglia mortale L’alma veste, et aggrava, all’uomo è forza D’esser tenero, e frale; Di frenar i singulti Adam si sforza; Ma se ragion la mia fiacchezza impugna, Amor di padre ogni ragione espugna. | ADÃO 56. Recitativo Quando o corpo mortal se veste com o manto da alma, penosa é a sorte do homem. Como é débil e frágil, Adão trata de conter as lágrimas; mas ainda que pense, a debilidade se apodera dele. Pensamento algum pode acalmar o amor de um pai. |
57. Aria Padre misero, e dolente Per entrambi ho molle il ciglio, Piango l’un, perch’è innocente, Piango l’altro, perch’è è figlio. Padre … ecc. | 57. Ária Miserável e aflito pai! Por meus dois filhos meus olhos choram, Choro por um porque é inocente e choro por outro porque é meu filho. Miserável … etc. |
58. Recitativo Spirto del figlio mio, questi son sensi Di padre addolorato, Or ripiglio il coraggio, E parlo da prim’uom, parlo da saggio. Dio fra’suoi doni immensi Mi diede i figli; ei può ritorni; ardito Peccò Cain; giust’è, che sia punito, Abel morì, dovea morir, l’eccesso Fu dal Nume permesso, Perch’io mortal mi riconosca in lui, L’altro punì per dar esempio altrui; EVA O che privi di prole E di ristoro soli restiam, Qual fida al Cielo il tralcio eletto Al divino concetto, Ch’anche lontan come presente adoro? ADAMO Per questa santa ambizion desio Prole novella e la dimando a Dio. | 58. Recitativo Espírito de meu filho, esses são os sentimentos de um pai enfermo pela dor. Mas agora devo ter coragem e falar como um homem sábio. Deus, entre seus imensos dons, deu-me filhos; portanto pode tirá-los. Caim pecou, é correto que seja castigado; Abel morreu, ele tinha que morrer. A injustiça foi permitida por Deus, Para eu me reconhecer como mortal em um, e no outro, punido, para servir de exemplo aos demais. EVA: E agora, o que nos resta? Desprovidos de filhos, que rama elegerá Deus para continuar sua criação? Recordo-os como se estivessem presentes. ADÃO: Para alcançar tal fim, novos filhos peço a Deus. |
59. Aria Piango la prole esangue, E chiedo prole ancor; Ma se col mio peccato Con l’uomo ho Dio sdegnato, Bramo, che dal mio sangue Ne nasca il Redentor. Piango … ecc. | 59. Ária Choro por meus filhos mortos, e, contudo, desejo ter outros. Mas se por causa de meu pecado atraí a ira de Deus sobre a humanidade, peço que de meu sangue nasça o Redentor. Choro … etc. |
VOCE DI DIO 60. Recitativo Adam prole tu chiedi, e prole avrai Dal cui seme fecondo Nascer dovrà chi mai non nacque al mondo Nè finirà già mai Sin che non segua il gran giudizio, E tutta l’umanità distrutta, Che dal nulla formai, non torni al nulla, E non trovi il sepolcro entro la culla. | VOZ DE DEUS 60. Recitativo Adão, pedes descendência e descendência terás. De tua fecunda semente quem nunca nasceu no mundo terá que nascer e não findará jamais Até que ocorra o grande Juízo, e toda a humanidade consumada que do nada foi formada, não volte ao nada, e não encontre o sepulcro em seu berço. |
61. Aria L’innocenza pacando perdeste, Io pietoso non perdo l’amor, Voi sprezzaste lo sdegno celeste; Io sprezzato sarò il Redentor L’innocenza … ecc. | 61. Ária Ao pecar perdeste a inocência, mas Eu, por compaixão, nunca deixarei de amar-te. Desprezastes a ira dos Céus, Eu, a quem desprezareis, serei vosso Redentor. Ao pecar … etc. |
ADAMO 62. Recitativo Udii Signor della Divina Idea Le disposte vicende, e o felice La colpa mia s’a risarcire il danno Può meritar, che senda Dal cielo un Dio per fat d’un’uom l’emenda. Deh, tutto il germe mio trovi innocente Il Giudice clemente Nel giorno in cui cadrà l’orbe distritto, E goda ogn’un del gran riscatto il frutto. | ADÃO 62. Recitativo Eu ouvi, Senhor, os acontecimentos vindouros, e estou feliz de que por vosso divino desígnio, meu pecado será reparado. Do Céu, o Filho de Deus descerá e reparará o dano da humanidade. Que o Juiz misericordioso, encontre todos minha descendência inocente. No dia em que toda terra será consumida e que cada um colherá o fruto da grande recompensa. |
63. Duetto EVA Contenti Presenti Brillateci in sen ADAMO Venture Future Beateci il sen EVA Se Dio ci promette Frenar le vendette; ADAMO E il mondo, che langue Sanar col suo sangue ADAMO, EVA Dal primo velen EVA Contenti Presenti Brillateci in sen ADAMO Venture Future Beateci il sen. | 63. Dueto EVA: Felizes presságios brilham em nossos corações! ADÃO O venturoso futuro alegra nossos corações. EVA: Se Deus nos promete conter sua vingança! ADÃO: Pois o mundo moribundo lavará com seu sangue AMBOS: … o veneno dos primeiros dias EVA: Felizes presságios brilham em nossos corações! ADÃO O venturoso futuro alegra nossos corações. |
Referências
ALLORTO, Riccardo. Nuovo Dizionario Ricordi della musica e dei musicisti. Milão: Ricordi, 1976.
CANDÉ, Roland de. Os músicos: a vida, a obra, os estilos. São Paulo: Martins Fontes, 1985.
ROBERTSON, Alec; STEVENS, Denis (Orgs.). Historia General de la Música. v. 2: Desde el Renacimiento al Barroco. Madrid: Istmo, 2000.
SMITHER, Howard E. A History of the Oratorio. Chapel Hill: The University of North Carolina Press, 1977. v. 1: The Oratorio in the Baroque Era: Italy, Vienna, Paris Centuries.
+LAUS DEO VIRGINIQUE MATRI+
Notas:
[1] SMITHER, 1977; CANDÉ, 1985, p. 186-187.
[2] SMITHER, 1977; CANDÉ, 1985, p. 186-187. Nas duas longas estadas de Scarlatti em Roma (1702-1708 e 1717-1722), ele estabelece contato com importantes nomes da nobreza romana, tais como a Rainha Cristina (da Suécia), as famílias Pamphilj e Colonna, o Cardeal Pietro Ottoboni, o Marquês (depois Príncipe) Francesco Maria Ruspoli, o Papa Clemente XI e a Rainha da Polônia. (SMITHER, 1977)
[3] CANDÉ, 1985, p. 187.
[4] SMITHER, 1977, tradução nossa.
[5] ALLORTO, 1976, p. 587.
[6] SMITHER, 1977.
[7] SMITHER, 1977.
[8] ROBERTSON, 2000, p. 332.
[9] SMITHER, 1977.
[10] SMITHER, 1977.
[11] SMITHER, 1977.
[12] SMITHER, 1977.
[13] SMITHER, 1977.
[14] SMITHER, 1977.
[15] Texto original em Italiano e versão em espanhol disponível em:
http://www.kareol.es/obras/cancionesascarlatti/cain.htm