A Estética do Século XIII – Parte 2

A Estética do Século XIII – Parte 2

Autor: Maurice De Wulf (1867-1947)

Retirado do livro “Art and Beauty”, tradução nossa.

Intelectualismo

A escolástica do século XIII, plenamente consciente da questão psicológica, dá ampla atenção à impressão que a beleza causa. Na natureza dessa impressão e em seus fatores notaremos, de início, uma inclinação para as doutrinas gregas às quais as tradições aristotélica e platônica deram uma consistência definida: a atividade estética é uma atividade de percepção; realiza-se numa fruição que é ao mesmo tempo um estímulo e também uma coroamento.

Textos numerosos e concordantes estabelecem o princípio de que a beleza é uma questão de conhecimento; que se nutre de sensações visuais e auditivas, de imagens e ideias intelectuais; e que interessa a todo o nosso ser perceptivo. “O belo tem a ver com o poder de conhecer; pois chamamos de bela uma coisa cujo conhecimento nos agrada.” [1] Contudo, a intervenção dos sentidos, da imaginação, do intelecto, não é traduzida por esforços físicos separados, independentes uns dos outros, como espigas de trigo amarradas em um mesmo feixe. Um ato central e primordial penetra toda a operação e nela imprime um caráter estético: é uma abstração ou um ato soberano da mente. [2] Sensações complementares e imagens são colocadas a serviço do intelecto – visus et auditus rationi servientes – que percebe na riqueza de dados o princípio ou a razão da ordem, ratio ordinis, e em um rápido ato apreende a unidade do objeto da natureza ou da arte. Cognitio ordinis est solius intellectus. “Dentre todos os animais apenas o homem se deleita no conhecimento das coisas sensíveis”, diz Santo Tomás de Aquino, “pelo só conhecimento, isto é, pela beleza”. [3]

Várias dessas teorias são já familiares e, por isso, podemos abordá-las brevemente. O intelectualismo é a pedra angular do Tomismo, no sentido de que as implicações dessa doutrina, deixadas na sombra por Aristóteles e Plotino, são então claramente definidas. Uma dessas teses traz à tona um problema não resolvido na grande filosofia medieval e toca numa dificuldade que perpassa toda a sua ciência das ideias. Uma vez que sentidos e inteligência se combinam na percepção de uma obra de arte, essa percepção tem por objeto uma “harmonia de noções abstratas no singular”.

Não há aqui dificuldade no que se refere às sensações, pois seu domínio próprio é aquele das figuras, das cores, das linhas, dos sons, onde tudo é particular e individual. Mas o que dizer sobre o intelecto? Não é sua função natural e espontânea abstrair o real de tudo aquilo com o que tem contato, isto é, despojá-lo por seu próprio apreensão de tudo o que o prende ao individual? Pode contemplar a graça, a majestade, o sorriso de uma Madonna bem esculpida, de modo a compreender a união indissolúvel estabelecida pelo artista entre essas ideias gerais e seu envoltório estético? É possível a intuição intelectual do particular, dada a concepção tomista?

Independentemente do que se pense sobre a solução que Tomás de Aquino propõe e que não discutiremos aqui, a intuição do abstrato no individual, artístico ou não, é para o intelecto humano uma operação inferior e menos perfeita que o ato de abstração exercido por si mesmo e por amor à verdade. Essa, penso eu, é a razão para a pouca atenção e para a pouca estima que o Tomismo concede à percepção artística. Para Aristóteles, a poesia é menos filosófica que a história. Tomás de Aquino acrescentou que a arte é menos filosófica que a ciência. A arte não atinge diretamente o abstrato, o científico por si mesmo, pois o incorpora em formas sensíveis e o faz brilhar no indivíduo. Nesse aspecto, é inferior à ciência. Por ser um cientista tão completo, Tomás de Aquino coloca a arte em um plano inferior. Este amante do conhecimento é fascinado por classificações gerais e sínteses vastas, como todo o século a que pertence.

A contemplação da beleza natural e artística é acompanhada por um amor sereno e um deleite penetrante. É novamente em conformidade com sua teoria intelectual que os escolásticos interpretam tanto um como outro. A razão humana se deleita na perfeição e na beleza, por ser ela mesma perfeição e beleza; a alma se reconhece; inclina-se para o que lhe é semelhante. O amor do belo é desinteressado, livre do desejo de possuir uma coisa senão apenas para contemplá-la. Assim, a beleza não é o que deleita, mas aquilo cuja apreensão ou percepção produz deleite. “Diz-se que um objeto é bom quando agrada à faculdade apetitiva; mas que é belo quando seu conhecimento deleita.” [4] Deve-se notar bem que o prazer da beleza, como qualquer prazer e toda emoção, tem seu fundamento no apetite do qual é uma modalidade. Isso é a aplicação de uma tese da psicologia escolástica que não pretendemos expor aqui: o desejo surge do apetite, do qual emerge também a satisfação do desejo realizado e o gozo que dele resulta. [5]

Teoria do esplendor da beleza

A percepção e o deleite que compõem a impressão estética não são meros acessórios da beleza, epifenômenos que se produzem quando um ser humano contempla o belo, mas aos quais a própria beleza permaneceria estranha. O íntimo do belo reside numa necessária adaptação da ordem das coisas a cuja contemplação essa ordem é o alimento e o termo. Isso é o que há de mais original na estética dos escolásticos.

Tal correlação se encaixa na teoria da claritas ou resplendor do belo.

Tudo o que os gregos de linhagem platônica-aristótelica atribuem ao encanto da cor [6], tudo o que os alexandrinos e o Pseudo-Dionísio [7] escrevem sobre a luz, encontra-se aqui transposto em uma síntese mais ampla com novo significado. Para ser bela, a ordem não deve estar meramente presente de uma ou outra forma; ela deve resplandecer; para tanto, deve ser proporcionada às capacidades humanas de forma a provocar uma contemplação fácil e plena. A apropriação que Aristóteles aponta incidentalmente [8] é aqui tornada obrigatória; é introduzida na ideia de beleza ao lado da ordem e da proporção; ajuda a constitui-la. Tal correlação não resulta da lux formalis de Engelberti, mas é claramente expressa por outros escolásticos.

O esplendor diz mais que luz e cor: esplendor é luz e cor tornadas visíveis, lumen apparens, lumen manifestans, color nitidus. [9] “Se alguém é objeto de honras e louvores”, escreve Santo Tomás, “torna-se clarus (famoso) aos olhos dos outros homens.” [10] O De pulchro diz: “A luz implica apenas a emissão de um foco luminoso, mas o belo requer seu brilho”. [11] “Além disso”, conclui Duns Scotus, “a clareza é uma espécie de resplendor, e acrescenta à noção de luz e cor a de uma manifestação. Uma luz clara, uma verdade clara, uma noção clara implica uma manifestação perfeita dessa luz, dessa verdade, dessa noção.” [12]

A clareza é, portanto, para a beleza aquilo que a evidência é para a verdade. Não se refere apenas à cor visível, como na fórmula grega popular, nas falas de Parrásio relatadas por Xenofonte, nas teorias de Cícero e de Santo Agostinho, mas especialmente às coisas de ordem suprassensível. A beleza espiritual do homem é diferente da beleza plástica de seus membros corporais. “Consiste no fato de que suas relações sociais ou seus atos são bem proporcionados e revestidos com o brilho que o esplendor suprassensível da razão dá.” [13]

Por outro lado, a claritas dos escolásticos não é como a luz dos alexandrinos, um atributo puramente metafísico independente do conhecimento que podemos dele obter. Como ela faz brilhar a ordem para torná-la visível, a claridade deve ser proporcional aos pobres meios de conhecimento de que somos dotados. A beleza torna-se uma realidade humana, puramente humana; o incomensurável e o incompreensível, colocados no ápice do mundo místico dos neoplatônicos, estão além da beleza.

Esplendor atribuído à forma

Esse resplendor refere-se à forma do ser. A beleza é chamada de esplendor da forma substancial ou acidental, domínio de seu brilho sobre as partes proporcionadas e determinadas da matéria, esplendor formae substantialis vel accidentalis supra partes materiae proportionatas et terminatas. [14] Essa é uma doutrina que se harmoniza com as teorias mestras da metafísica e da ciências das ideias. A forma, de fato, é ao mesmo tempo a raiz da própria perfeição de cada ser, o eixo de sua unidade e o princípio de sua inteligibilidade. Enquanto apreendedora do ser, a inteligência é receptora da forma que é um constituinte primordial do ser. Portanto, tudo o que diz respeito à beleza tem a ver com a forma. “Quia cognitio fit per assimilationem, assimilatio autem respicit formam, pulchrum proprie pertinet ad rationem causae formalis”. [15] Quanto mais resplandecente a forma é, mais fácil e plena será a impressão causada; este é o preço da beleza. Será a forma substancial que brilhará em um ser da natureza, um exemplar bem acabado de sua espécie. Será também uma forma secundária ou acidental, tal como uma figura ou uma atividade. Notio pulchri, in universali consistit in resplendentia formae super partes materiae proportionatas, vel super diversas vires vel actiones. [16]

Seria aqui o momento de iniciar uma filosofia da arte. Com efeito, o que faz o artista, senão colocar em materiais sensíveis o brilho de um princípio de unidade, escolhido livremente entre as inúmeras formae accidentales com as quais esses materiais podem se recobrir? Construtores de catedrais e escultores irradiavam sistemas de linhas nas pedras e nas madeiras, super partes materiae proportionatas. Pintores, escultores, poetas exerceram poder sobre atividades físicas e morais que muitas vezes requerem a colaboração de um número considerável de personagens, vel super diversas actiones, e as estátuas góticas em seus gestos simples sugerem aos espectadores a vida interior e todos os recursos de ação de que um ser é dotado, super diversas vires. [17] Na metafísica encontra-se incluída também uma teoria da arte, tal como uma espiga em seu feixe.

Conclusão

A partir do que foi exposto, compreendemos por que a debita proportio e a claritas são unanimemente consideradas no século XIII como os elementos essenciais da beleza: a primeira resume tudo o que a beleza inclui nos objetos, a segunda implica a intervenção de fatores psicológicos e a relação adequada entre o objeto contemplado e a atividade contemplativa.

A estética medieval é a culminação final da estética grega, sua conclusão lógica. Ele funde em uma síntese concordante o ponto de vista platônico-aristotélico e o ponto de vista plotiniano; supera um e outro, entretanto. Essa realização é tanto mais digna de ser apreciada pelo fato de que o século XIII não conhecia nem o texto da Poética de Aristóteles nem o das Enéadas de Plotino.


Notas:

[1] “Pulchrum respicit vim cognoscitivam; pulchra enim dicuntur quae visa placent.” S. Tomás, Summa theol., I, q. 5, a. 4. A palavra “visa” é aqui tomada em sentido geral.

[2] Na linguagem escolástica se diria que o ato de intelecção é o elemento formal da percepção estética, aquele que dá ao todo o seu caráter específico.

[3] I, q. 39, a. 3, ad 3.

[4] “Et sic patet quod pulchrum addit supra bonum quemdam ordinem ad vim cognoscitivam; ita quod bonum dicatur id quod simpliciter complacet appetitui, pulchrum autem dicatur id cujus apprehensio placet.” I-II, q. 27, a. 1.

[5] “Pulchritudo non habet rationem acceptibilis, nisi inquantum induit rationem boni; sic enim et verum appetibile est; sed secundum rationem propriam habet claritatem.” In Lib. I Sent., dist. 31, q. 2. “Cum enim bonum sit quod omnia appetunt, de ratione boni est quod in eo quietetur appetitus. Sed ad rationem pulchri pertinet quod in ejus aspectu seu cognitione quietetur appetitus.” I-II, q. 27, a. 1.

[6] Ver, por exemplo, Xenofonte, Memorabilia, III, X; Cícero, Tusculan Disputations, IV, 13; Santo Agostinho, Homil. in Ps. 44, Ep. 18.

[7] Plotino, Enéadas, I, 6 et passim; São Basílio, Hexameron, II, 7; Pseudo-Dionísio, Sobre os Nomes Divinos, IV, 4.

[8] Em sua história da devida proporção (Metaph., III, 3; Poética, VII).

[9] S. Tomás, Summa theol., II-II, q. 142, a. 4; q. 180, a. 2; I, q. 39, a. 8.

[10] Ibid., II-II, q. 145, a. 8.

[11] De pulchro, p. 37.

[12] Comentários às Sentenças, Livro IV.

[13] “Et similiter pulchritudo spiritualis in hoc consistit quod conversatio hominis sive actio ejus sit bene proportionata secundum spiritualem rationis claritatem.” S. Tomás, Summa theol., II-II, q. 145, a. 2.

[14] S. Alberto Magno, De pulchro, p. 29.

[15] S. Tomás, Summa theol., I, q. 5, a. 4.

[16] S. Alberto Magno, De pulchro, p. 29.

[17] Os escolásticos distinguem entre potência operativa, vires, e a operação que resulta dela, actio.

Prof. Thiago Plaça Teixeira

O Professor Thiago Plaça Teixeira é Graduado em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal do Paraná, Bacharel em Piano pela Escola de Música e Belas Artes do Paraná, Mestre e Doutor em Música pela Universidade Federal do Paraná. Foi premiado em concursos de piano e atuou com diversos instrumentistas, cantores e grupos corais em concertos, óperas, festivais e séries de música de câmara. Trabalhou em instituições de ensino superior no Paraná ministrando disciplinas teóricas e práticas. Como pesquisador, direciona seus estudos à música sacra católica, área em que também tem experiência prática atuando como organista.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *